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sábado, 3 de maio de 2008
03 de maio de 2008
N° 15590 - Nilson Souza
O homem das luvas
Se uma cidade é um corpo vivo, como já sugeriram tantos poetas, o coração desta minha Porto Alegre amada é, sem dúvida, a Praça da Alfândega. Temos uma Rua da Praia sem praia e uma Praça da Alfândega sem alfândega, mas naquele retângulo em que as duas se encontram pulsa a vida da província/metrópole.
Estive lá na tarde mais luminosa desta semana que está terminando e fiz uma travessia de saudade e encantamento pelos caminhos de pedra, à sombra dos jacarandás e sob a proteção dos heróis de todos os matizes que habitam aquele recanto mágico.
Não, não estamos ainda em outubro, mês em que a Feira do Livro transforma a praça numa espécie de Biblioteca de Alexandria. Minha identidade com aquele lugar também não chega a ser tão antiga.
Remonta à década de 70, quando comecei a engatinhar nesta atividade de juntar letrinhas para transformá-las em notícia impressa. Trabalhava na vizinhança da praça, onde estava instalado o jornal que me acolheu como estagiário ainda no tempo em que freqüentava a faculdade de Jornalismo. Cansei de virar noites dedilhando velhas máquinas de escrever e amassando laudas de idéias desaproveitadas.
A compensação era atravessar a praça na madrugada, levando sob o braço um jornal cheirando a tinta, recém saído da rotativa, com minhas impressões digitais em alguma nota de canto de página.
Talvez nenhum leitor viesse a se dar conta da autoria, até mesmo porque dificilmente o texto de um estagiário levaria assinatura. Mas eu sabia que aquela notícia tinha sido elaborada pelo meu cérebro e construída pelos meus dedos. Era um orgulho indescritível.
Mas nada se comparava à travessia da praça nos minutos que se seguiam à chegada do jornal às bancas. Em cada banco havia um leitor, às vezes mais de um, todos ávidos para conhecer os fatos recém-impressos.
E nós, jornalistas iniciantes, nos esgueirávamos entre eles, com os olhos atentos e o coração aos pulos, tentando localizar algum que estivesse concentrado na nossa página e na nossa notícia.
Foi com este olhar de lembrança que percorri a praça na última quarta-feira. Fiz uma continência imaginária para o General Osório, balbuciei uma educada negativa para os engraxates, observei um movimento de bispo no tabuleiro dos enxadristas e me fixei num homem de cabelos grisalhos que experimentava luvas de couro na feira de artesanato.
Não posso afirmar com certeza, mas acho que já vi aquelas mãos folheando um jornal de antigamente.
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