sexta-feira, 2 de maio de 2008



02 de maio de 2008
N° 15589 - David Coimbra


O nome do Mal

Alexandre jamais rejeitava amor. Alexandre Magno, digo. O maior conquistador da História, o homem que incendiou Persépolis, que passou os habitantes de Tebas pelo fio da espada, que jamais foi derrotado em campo de batalha.

Não rejeitava amor.

Traço sutil de personalidade, difícil de identificar, sei, mas poucos personagens da Antigüidade tiveram a vida tão bem registrada quanto Alexandre. Em sua expedição rumo à Índia, ele próprio se encarregou de designar historiadores que relatassem cada acontecimento.

Nesse particular, e só nesse particular, entendo o que Alexandre sentia. Como pode alguém rejeitar amor? Eu mesmo, um dia critiquei uma pessoa na coluna e essa pessoa reagiu com um lamento:

- Logo eu, que gosto tanto do que tu escreves...

Cara, aquilo foi um tiro de bazuca no peito. Preferia que tivesse ficado furioso, queria que tivesse me xingado. Mas, não. Decepcionei uma pessoa que gostava de mim.

Juro: antes enfrentar a fúria do que a tristeza. Por isso, meço muito antes de fazer uma crítica. Será que não estarei sendo injusto? Será que a pessoa merece? Não terá ela seus bons motivos? Até porque não conheço ninguém que seja realmente, completamente mau.

Pensei que conhecesse, tempos atrás. Uma velhota que morava perto da casa da minha avó. Nunca saía para a rua, nunca ninguém a via. Nós jogávamos futebol na calçada e, se a bola caísse no quintal dela, voltava em fatias. Nem adiantava tentar pular o muro para buscá-la. A velha era rápida, parecia que estava sempre esperando para cometer suas maldades.

Para mim, tratava-se de uma gárgula, uma bruxa sem coração. Até o dia em que deparei com ela na rua. Vinha com uma filha pela mão. Primeiro, me assustei - era realmente feia. Em seguida, reparei melhor: ela e a filha riam e lambiam picolés.

A cena me perturbou. Uma pessoa que anda pela rua sorrindo e sorvendo sorvete não pode ser de todo ruim. Pelo menos ela sente um prazer infantil na vida, pelo menos existe quem a ame.

Alguém terá sido totalmente ruim? Adolf Hitler: há pouco, li o livro de Norman Mailer sobre a infância de Hitler, O Castelo na Floresta. Adi, chamavam-no quando pequeno.

A história é narrada por ninguém menos do que... o demônio! Eis aí: um escritor sofisticado acreditava que uma figura como Hitler só poderia ter sido concebida por Satanás em corpo e alma, cornos e cascos.

Só que não era assim. A verdade é que Hitler despertava lealdades e amores a ponto de gente ter se suicidado por ele. Seria muito fácil se existissem pessoas absolutamente más. Elas seriam identificadas e evitadas. Ou combatidas.

O problema é que o Mal se dá, muitas vezes, através das melhores intenções. Por ideologia, como no caso de Hitler e tantos outros ditadores. Ou por quem não resiste ao apelo dos sentidos, caso dos violadores e dos corruptos. E todos têm quem os admire, quem lhes dê amizade.

Não há quem seja o próprio Mal.

Ou há?

Nos últimos dias, venho revendo esse conceito.

Saber que um homem, aquele austríaco, não apenas estuprou a própria filha como a manteve reclusa por 24 anos num porão, que os filhos dele com sua filha ficaram durante toda a vida naquela prisão apertada, sem ver o sol, a lua ou quaisquer outras pessoas, saber que isso foi cometido por um engenheiro, um homem com boa educação e até alguma fortuna, saber de tudo isso me abalou. Já estou acreditando que algumas pessoas podem ser, sim, a imagem do Mal.

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