05 DE JUNHO DE 2021
FRANCISCO MARSHALL
É PÚBLICO!
Es méson - para o centro, foi o mote que moldou a pólis, uma nova cidade e a base clássica do Estado. O centro primordial foi a ágora, local de encontros, conversas, trocas, vida cívica e religiosa, alma da cidade grega. No centro ergueram-se os templos, no topo de acrópoles, e tribunais, altares, ginásios, vias, galerias (stoas), fontes d?água e necrópoles; a partir do século V a.C., também teatros de Dioniso. Tudo no coração da comunidade, em áreas acessíveis a quem morava no campo (xhóra) ou na cidade (ásty), independentemente do grau de riqueza ou prestígio. Colocar no meio, para se tornar comum de todos - tá koiná, as coisas públicas, mais valiosas que as privadas. Eis quando e como que se constituiu, na pólis, o patrimônio público e o dever dos governantes de por ele zelarem.
Ora, se o Estado visa ao bem comum, um de seus fundamentos é defender os bens públicos e garantir sua finalidade social. Hoje vigora, todavia, grave moléstia moral, epidêmica, que faz governantes eleitos tornarem-se agentes privados, e tomarem como meta degradar e liquidar o patrimônio público; por quê?
A sociedade de massas, a ignorância e as manipulações da propaganda e da imprensa marrom, a corrupção de homens e empresas interesseiras, tudo isso conta, mas conta especialmente a pavorosa ideologia que se difundiu desde os anos 1990, o neoliberalismo - fundamentalismo do mercado e ideologia pragmática do capital - e, com ele, o persistente cativeiro de políticos nada democráticos e muito incompetentes. O resultado dessa conjunção nefasta é a degradação das cidades, do Estado e da qualidade de vida da maioria da população, em benefício de poucos, privilegiados e suspeitos. Eis um dos piores males da era atual.
O abuso do patrimônio público sói conjugar políticos ineptos com maus empreendedores, aqueles que, sem qualidade técnica ou arrojo, preferem o aconchego de negócios facilitados, como concessões do patrimônio público sem licitação e a aquisição de empresas públicas bem constituídas e estrategicamente posicionadas, pelo valor mais vil possível. Isso ora ocorre em nossa cidade, em nosso Estado e neste país; são riscos que rondam o Cais do Porto, fazem cerco aos museus e institutos culturais, cobiçam hospitais e empresas públicas, e promovem a deturpação da natureza e finalidade de instituições públicas, em rapinagem sem limites.
Tratam áreas nobres, inclusive parques e patrimônio tombado, como meros terrenos a serem loteados, para renda fácil e desavença dos deveres governamentais. Os culpados são políticos medíocres e suas equipes, que, incapazes de planejar e administrar, insensíveis ao bem social e cativos de ideologias, abandonam seu dever de cuidar do patrimônio público e o liquidam sem pudor, exibindo o orgulho do cão que busca o osso para o dono.
A cidade tem saudades da ágora, e dos bens comuns que dão graça à comunidade. Que vá junto com a vacina ora distribuída pelo SUS a noção e o clamor de que o Estado é bem público, e pode ser força da comunidade e garantia da vida.
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