05 DE JUNHO DE 2021
FLÁVIO TAVARES
IR ADIANTE
Toda desgraça é, sempre, uma oportunidade para raciocinar sobre erros anteriores, ainda que com eles tenha relação indireta. "A dor ensina a gemer", diz o velho refrão, pois o gemido leva a procurar a causa primeira da própria dor.
A pandemia, por exemplo, aguça o sentido profundo da vida ao mostrar a fragilidade humana e a necessidade de nos amarmos uns aos outros. Talvez pareça piegas falar de "amor ao próximo" em meio aos desvarios da sociedade de consumo, mas é a grande e profunda lição que rememoramos há pouco, no dia de Corpus Christi.
Mostra que podemos rever conceitos e buscar a verdade indo à origem dos fatos. Só pode ter sido assim que a Secretaria de Meio Ambiente e Infraestrutura do governo do Estado retirou das redes sociais uma suposta propaganda da bomba de chimarrão que, de fato, elogiava a mineração de carvão.
Quando a pesquisa científica aponta o carvão mineral como uma das terríveis causas do efeito estufa sobre a vida no planeta (e a ONU e o Papa reiteram a denúncia), nada é mais danoso do que o próprio governo propagar nossa extinção. O Comité contra a Megamineração no RS lançou o alerta ao lembrar as consequências desastrosas da exploração do carvão mineral, gerador de fibrose pulmonar, câncer e outras doenças. Voltar atrás por recuperar a lucidez, (como fez o governo estadual ao ser criticado nas próprias redes), porém, é dar um passo adiante.
Se persistisse no erro, ignoraria a própria condição humana que nos fez inteligentes.
Um depoimento minucioso e cru sobre o descaso governamental na pandemia, enfim ecoou na CPI do Senado sobre a covid-19. Por mais de seis horas, a infectologista Luana Araújo explicou por que usar cloroquina e similares é "aberração sem lógica científica".
Em maio, ela fora convidada a assumir a Secretaria de Combate à Covid no Ministério da Saúde, mas não foi nomeada por discordar do uso de cloroquina.
"Continuo a pensar que estamos na vanguarda da estupidez mundial ao discutir algo sem cabimento científico", frisou. Quando o senador gaúcho Luís Carlos Heinze lembrou que um médico francês recebeu "o prêmio Rusty Razor" por indicar o uso de cloroquina, a infectologista explicou que "o prêmio é uma sátira e é dado na Europa aos absurdos científicos".
Usar cloroquina (como quer Bolsonaro) é "delirante, esdrúxulo, anacrônico e contraproducente - disse a infectologista - e frisou: "É como se um terraplanista buscasse a borda da Terra para pular".
É regredir à caverna, sem nunca ir adiante.
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