04 DE JUNHO DE 2021
DAVID COIMBRA
O brasileiro não sabe ser livre
Essas histórias antigas, elas sempre têm um sentido, mesmo que pareçam absurdas. Pegue o caso da primeira mulher: na mitologia grega, Pandora; na judaica, Eva. Ao dar a dentada na maçã proibida, Eva abre o conhecimento das coisas da vida aos seres humanos. Antes, os homens eram inocentes como bichos; agora pensam, fazem deduções e tomam decisões. Trata-se de um avanço, mas também uma maldição, porque as pessoas passam a buscar um sentido para a vida, em vez de apenas usufruí-la.
Já Pandora destampa a caixa proibida e liberta todos os males do mundo. Parece terrível, só que ela fecha a caixa a tempo e, no fundo, o que resta é a esperança, que, ao fim e ao cabo, é o que nos faz viver.
Bonito. Nos dois exemplos, a mulher é o ser que traz aflições aos homens, mas também lhes traz a Civilização e a própria razão de existir.
Outra história repleta de significados é o Êxodo dos hebreus que fugiram do Egito sob a liderança de Moisés. Eles ficaram vagando pelo Deserto do Sinai durante 40 anos, sobrevivendo graças ao maná que Deus mandava junto ao orvalho de todas as manhãs, menos os sábados. Ora, a Península do Sinai tem uma largura de 200 quilômetros. Mesmo que os hebreus fossem centenas de milhares, poderiam atravessá-la em dias, nunca em anos. Por que, então, a Bíblia conta que eles levaram quatro décadas na travessia?
Não é por acaso. Não é em vão.
Os quarenta anos são tempo suficiente para extinguir todos que viveram como escravos no Egito. Ou seja: a Terra Prometida só seria habitada por homens e mulheres livres.
Isso é fundamental no erguimento de uma nova nação. Porque a submissão deixa marcas na alma de quem é submetido, que pode se sentir eternamente inferior ou eternamente revoltado.
Quase todos os países passaram por traumas semelhantes, com a provável exceção dos Estados Unidos, que nunca tiveram um rei ou um ditador que vergasse a vontade do povo. Alguns precisaram de eventos sangrentos para se libertar, como os países da Europa. Outros continuam presos aos seus velhos vícios.
Caso do Brasil.
O Brasil foi uma monarquia durante quase 70 anos. Depois, experimentou diversos períodos de ditadura, entre Deodoro, Floriano, Getúlio e os militares. Nesse tempo todo, o brasileiro aprendeu que sua felicidade depende da bondade de um líder. O brasileiro busca sempre um herói, um pai protetor, um homem iluminado. O brasileiro não sabe ser livre. Porque, ao ser livre, você não apenas toma as próprias decisões; você é responsável por elas.
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