sábado, 6 de fevereiro de 2021


06 DE FEVEREIRO DE 2021
J.J. CAMARGO

O CIÚME QUE NUNCA VAI EMBORA 

Claro que o ciúme doentio não é chamado assim por implicância. Acontece que ele, de fato, adoece o portador, assombra a família que não sabe o que fazer para racionalizá-lo e espanta os amigos quando se torna o assunto exclusivo.

Mas quem não sente aquela pontinha de ciúme quando outra pessoa se insinua para seu parceiro ou sua parceira? Ou quando a pessoa amada passa a dar muita atenção a um colega do sexo oposto?

Alguns podem até negar, mas, segundo a psicanalista Taty Ades (autora de Os Homens que Amam Demais), "todos sentimos ciúmes, medo de perder quem amamos. O que deve ser avaliado é o quanto somos emocionalmente maduros para lidar com esse receio de forma responsável". Que a idade atenue este sentimento, é previsível. Tanto que alguém, com apurado senso de humor, estabeleceu como critério de velhice "quando o homem perde qualquer interesse em saber aonde sua mulher vai, desde que ele não tenha que ir junto!".

Mas o ciúme, como um coronavírus afetivo, pode até parecer que sim, mas não vai embora. Seja por zelo, medo da perda ou razões mais sérias, como paranoia ou insegurança, o ciúme se preserva para eclodir sob diferentes formas e circunstâncias.

O Eugênio chegou aos 91 anos com boa saúde. Trabalhou muito, sempre teve pouca paciência com as coisas que encantavam os delicados, enriqueceu além da conta e cuidou que nada faltasse à sua Eleonora, dois anos mais moça, com ossos frágeis e memória recente cada vez mais fugidia.

Nos dias quentes, ele colocava a cadeira na sacada e ficava olhando o mundo por cima da copa das árvores que decoram o quarteirão. Enquanto isso, ela preferia cochilar na poltrona e enfurecia se alguém sugerisse que, para dormir melhor, devia desligar a televisão.

Quando a idade foi reduzindo a autonomia da dupla, os filhos intervieram para colocar alguém a cuidar de ambos. A primeira candidata era uma avó de 72 anos, enfermeira aposentada e com longa trajetória em cuidados paliativos.

A impressão que tive, no primeiro contato, foi de que estávamos diante de uma peça rara de delicadeza, organização e extremo profissionalismo, adquiridos em décadas de enfermagem em hospital qualificado. O melhor, e também o menos provável, foi que ambos desenvolveram uma relação afetiva simétrica em relação a Felícia - esse era o nome dela.

Um mês depois, reencontrei o casal sozinho. Quando quis saber o que tinha acontecido, ela resumiu: "Uma noite dessas, ele chamou a velhota para que ela visse a lua cheia".

Tentei argumentar: "Desculpe, minha amiga, não consigo ver mal nenhum nessa gentileza dele". E ela encerrou o assunto: "Acontece que, em 66 anos de casados, ele nunca me convidou para ver a lua!".

- Ah, bom, se foi assim, não há o que discutir! - respondi.

E que ninguém se surpreenda, pois, como adverti, tal qual o corona, o ciúme também fica na natureza, espreitando.

J.J. CAMARGO

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