domingo, 21 de fevereiro de 2021


20 DE FEVEREIRO DE 2021
ARTIGOS

O REVIVER

Jamais pensei que a picada indolor da vacina contra a covid-19 tivesse o efeito de nos fazer reviver em meio ao caos. Foi assim, pelo menos, que me senti dias atrás ao ser imunizado contra a nova peste. Sei que foi só uma sensação de voltar a pertencer ao mundo, pois, de fato, apenas revive quem deixa de viver.

Mas é exatamente isto - deixar de viver - que a pandemia impôs ao mundo, ao mudar o dia a dia e alterar o comportamento, os hábitos e até nossas necessidades. Outra vez senti o "anjo da guarda", como na infância. Em mais de 80 anos de vida, aprendi que o sistema imunológico "está na mente" e o que vivemos pode nos levar tanto ao fogo do inferno quanto à brisa do paraíso - basta viver profundamente. Há sempre, porém, um detonante vindo de fora.

Quando a enfermeira Robertta (com "t" duplo no nome) em segundos concluiu tudo, minha mulher chorou de emoção e meu pranto escondido transbordou. Quando a emoção (e não a dor) faz chorar, a lágrima é bálsamo. Olhei ao redor, vi a fila de espera e a emoção cresceu. Jovens enfermeiras atendiam idosos de rugas e cabelos brancos com a mesma devoção de mães servindo aos filhos. Batemos palmas, num aplauso ao amor nestes tempos de ódio.

A imunização busca reter a vida e, assim, é como gerar vida nova ou reviver.

Por isto, não entendo o desdém do Ministério da Saúde em perder tanto tempo para aceitar que a vacina evita a peste. Menos entendo, ainda, que o presidente da República tenha criticado "a pressa" da ciência em desenvolver a vacina e, agora, frise que não se vacinará.

O desdém fez a covid-19 propagar-se de forma avassaladora pelo Brasil e surgiu a brutal "variante amazônica", ou "cepa Pazuello", como deve chamar-se a nova fonte do horror.

O crime do rapaz de 23 anos que, em Tunas, no Vale do Rio Pardo, assassinou a tiros o pai (por proibi-lo de ir a uma boate) e, logo, incendiou a casa, matando também a mãe e a irmãzinha de 16 meses, que morreram abraçadas, trancadas no banheiro, reúne delírio e paranoia, com raízes obscuras e sinistras.

O cinismo completou a tragédia quando o criminoso compareceu ao enterro, sendo preso.

Pergunto-me se não é cínico, também, que um decreto do presidente da República facilite, agora, o porte de armas e, na prática, libere a compra de munição. Antes, Bolsonaro isentou de impostos a importação de armas. Isto não será, por acaso, inventar "o direito a matar" e fazê-lo "necessidade" quando, de fato, é o mais vil dos crimes? 

FLÁVIO TAVARES

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