10 DE FEVEREIRO DE 2021
MÁRIO CORSO
Os deuses do futebol
Pouca gente sabe: os deuses nos abandonaram. Já faz tempo que desistiram. Deram-se conta de que somos uma espécie limitada, sem futuro, e foram dedicar seus esforços a causas e raças galácticas mais nobres. Eles tentaram, do que podemos reclamar? Decididamente, os deuses não têm a nossa paciência para com os humanos.
Porém, como nada é cem por cento, restaram divindades menores no planeta. Quando da assembleia dos deuses que decidiu pela partida, alguns deuses ditos desimportantes mal foram convocados. Dava-se por sentado que eles acatariam a decisão de Zeus e da maioria dos deuses principais. Mas não foi assim.
Ofendidos pela desconsideração, os deuses dos esportes optaram por permanecer na Terra. Iludiram os outros fingindo a partida, para não serem levados à força, e cá estão entre nós, reinando nos gramados e nas canchas.
São inúmeros. Por exemplo: Nívea, descendente do Deus do Sono e da Deusa do Tédio, preside o golfe. Plélia, descendente do Deus das Coisas Confusas com a Deusa das Coisas Sem Sal, é a deusa do beisebol. Tedeu, neto do Deus da Preguiça Boa e também parente da Deusa da Velhice, é o patrono da bocha.
Ao contrário dos outros esportes, o futebol era tão amado pelos deuses olímpicos, que três divindades o presidem: Plélo, Maradoneu e Puskós. Basta uma bola rolar que eles se sentem convocados a inspirar os jogadores. Quem já jogou sabe dos momentos mágicos em que baixa algo maior em nós, uma energia extra, uma vontade feérica, uma loucura sadia. São os deuses nos agraciando com gotas de seus dons. Para eles, jogar é rezar.
Por causa desses deuses, o futebol é o futebol. Ele é tão inebriante porque é o que sobrou da manifestação dos deuses no planeta. Como você explicaria todo esse fanatismo dos estádios lotados sem a bênção desses deuses por trás? O estádio é ao mesmo tempo o avesso de um templo e sua melhor expressão. A multidão dos torcedores é uma profanação sagrada, uma comunhão com o mistério da fé. Quem já gritou lá dentro sabe do sabor transcendental da paixão pelo clube, até na derrota.
O sobrenatural de Almeida é apenas uma das formas de perceber a interferência divina. Os deuses do futebol são caprichosos e volúveis, amam e odeiam, adoram um clube e depois o abandonam com a mesma naturalidade com que o acarinharam. Por isso existem coisas que só acontecem no futebol.
Porém, desde que se inventou o VAR, os deuses do futebol cogitam em também largar fora do planeta. Fica o aviso...
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