Quarentena
O leitor Vitor S. tem uma dúvida que certamente não será só dele: "Vemos todos os dias o jornal falar em quarentena de duas semanas, quarentena de sete dias. Sempre entendi que quarentena era o período de 40 dias durante os quais os passageiros dos navios tinham que ficar isolados durante a peste negra. Professor, quando foi que quarentena passou a ser sinônimo de isolamento?"
Caro Vitor, tecnicamente quarentena não é sinônimo de isolamento porque este se aplica apenas a pessoas sabidamente doentes, enquanto aquela inclui também os indivíduos que poderiam estar infectados. Como eu disse, tecnicamente; na língua de nós outros, simples mortais, no entanto, os dois conceitos se misturam, exatamente como ocorre com furto e roubo, que são idênticos para o meu vizinho que teve seu carro levado por ladrões, mas totalmente diversos para um juiz ou um advogado. Por isso, entendo que, no fundo, queres saber quando foi que o termo quarentena se desvinculou da ideia de quarenta.
A bem dizer, nunca houve uma correspondência exata. A ideia foi desenvolvida inicialmente nos portos italianos, no séc. 17 - de onde, aliás, a palavra se espalhou por várias línguas -, mas Rousseau, no séc. 18, relata nas Confissões que seu navio teve de fazer "uma quarentena de vinte e um dias" (a metade, portanto, dos quarenta e dois dias recomendados, em muitos portos, nos períodos de maior crise). Nosso Morais, em seu Dicionário (1789) registra: "Fazer quarentena - estar quarenta ou menos dias sem entrar no porto ou na cidade para evitar a comunicação da peste ou de outra epidemia que possa trazer". Como vês, a duração sempre foi variável, dependendo, principalmente, do que as autoridades sanitárias da época conheciam (ou supunham conhecer) da enfermidade que estavam tentando controlar.
Algo similar ocorreu com quadrilha. No Portugal do séc. 15, era um grupo de quatro cavaleiros que participavam das cavalhadas, uma versão muito popular - e mais branda - dos antigos torneios medievais. Daí, por extensão, o termo passou a designar qualquer agrupamento de pessoas envolvidas numa mesma atividade, até chegar ao sentido exclusivamente criminoso que o vocábulo tem atualmente. Nossos fora-da- lei hoje podem formar, alegremente, quadrilhas de número ilimitado - ou seja, na linguagem usual, tanto quadrilha quanto sua irmã quarentena perderam sua associação com o quatro, que é a mãe de ambas.
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