sexta-feira, 26 de fevereiro de 2021


26 DE FEVEREIRO DE 2021
+ ECONOMIA

"Cuidado com o buraco", diz demitido

Foi com uma camiseta com a inscrição "Mind the gap" (alerta do metrô de Londres sobre o espaço entre a plataforma e o trem, "cuidado com o buraco" em tradução informal) que o presidente demitido da Petrobras, Roberto Castello Branco, fez ontem a apresentação do resultado da estatal em 2020. "Gap" é uma expressão usada para se referir à diferenças entre preços.

- Fugir da regra de paridade internacional foi desastroso, a Petrobras perdeu US$ 40 bilhões (R$ 218 bilhões). Nos últimos dois anos, reduzimos a dívida em quase US$ 36 bilhões, mas a empresa ainda é muito endividada, são US$ 75,5 bilhões, a maior parte em dólares. Como vai conciliar as obrigações em dólares com receita em reais? É surpreendente, em pleno século 21, dedicarmos tanta atenção a isso - afirmou, sem fugir do tema já no início da teleconferência, sem esperar perguntas.

No mercado, havia expecta­tiva de bons resultados, mas o lucro de R$ 59 bilhões entre outubro e dezembro de 2020 surpreendeu: foi o maior em um trimestre na história corporativa do Brasil. Um resultado desse tamanho não veio apenas da operação usual, mas da reestimativa de perdas bilionárias.

Foram R$ 31 bilhões de revisão de queda em valor de ativos e investimentos (chamados "impairments" por contenção de repasses aos combustíveis e corrupção exposta pela Lava-Jato) e R$ 13,1 bilhões em revisão de despesas com o plano de assistência médica.

Mesmo sendo excepcional, o lucro do último trimestre ainda é menor do que a perda de valor de mercado provocada pela intervenção de Bolsonaro, que ontem se aprofundou para R$ 87 bilhões. Também fez questão de destacar seus maiores objetivos: reduzir a pesada dívida da estatal e voltar a distribuir dividendos (parcela do lucro dividida entre os acionistas). Como a União detém a maior fatia na estatal, será o maior beneficiado. Serão pagos R$ 10,3 bilhões em 29 de abril.

Na teleconferência em que apresentou o lucro histórico da Petrobras, o presidente da estatal, Roberto Castello Branco, afirmou que a gasolina no Brasil não é cara. Parece um despropósito, mas a coluna aceitou a sugestão e foi verificar a comparação internacional do site globalpetrolprices.com (gráfico).

Pelo levantamento, o preço médio em 150 países no dia 22 era US$ 1,09 por litro. No Brasil, a média fica em US$ 0,884 (R$ 5,25 pelo câmbio atual). Com esse critério, o Brasil é o 55º colocado na lista de 150 que vai dos mais baixos aos mais altos. Está no começo do grupo intermediário.

O próprio site observa que existem "diferenças substanciais" nos valores que, como regra geral, costumam ser elevados em países ricos e reduzidos nos pobres e nos que produzem e exportam petróleo - caso do Brasil. Aponta que os Estados Unidos são uma "notável exceção", que é rico mas tem baixos preços, especialmente no gás de xisto. Também observa que diferenças tão grandes são decorrentes de impostos ou subsídios.

O site é comandado por Neven Valev, professor da Georgia State University, e costuma ser referência para publicações como The Wall Street Journal, Bloomblerg e Reuters, e até para o Fundo Monetário Internacional (FMI).

No ranking, o preço mais baixo é o da Venezuela, o que dispensa comentários. Os quatro seguintes são grandes produtores de petróleo e, embora não possam ser considerados "países pobres", têm população com renda muito baixa. No topo da lista, há quatro países ricos e um pobre (República Centro Africana). E três produtores de petróleo: a nossa já conhecida Dinamarca, que apesar do mecanismo para amortecer reajuste, cobra o dobro da média do Brasil, Noruega e Holanda.

3,53%

foi a queda das ações da Petrobras ontem, depois de abertura positiva. A composição do lucro e a incerteza sobre o futuro da estatal azedaram o clima.

MARTA SFREDO

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