quarta-feira, 24 de fevereiro de 2021


24 DE FEVEREIRO DE 2021
TICIANO OSÓRIO

O verão do #TBT

As crianças que estão voltando às aulas poderão experimentar uma espécie de bloqueio criativo se os professores solicitarem a tradicional redação sobre como foram suas férias. Algumas não terão muito a dizer: fiquei em casa, jogando videogame, brincando de maquiagem, vendo filmes e séries com meu pai e minha mãe, cada dia igual ao outro. Outras talvez barrem suas próprias memórias - estarão, como de hábito, imitando os adultos.

É que viajar nas férias tornou-se um constrangimento na era da pandemia. Uma reportagem do jornal The New York Times do ano passado, publicada também em Zero Hora e GZH, constatou entre os norte-americanos um comportamento repetido por brasileiros neste verão. Às vésperas de o coronavírus completar um ano no país sem demonstrar recuo no seu poder de devastação - vide a inédita situação de 11 bandeiras pretas no Rio Grande do Sul -, o silêncio foi a principal companhia de quem resolveu passar uns dias fora de casa. Não de todos, é claro, como evidenciam os barulhentos vídeos de aglomeração na praia ou de festas clandestinas na Serra. Mas houve uma turma que sim, saiu de férias, mas, diferentemente do que sempre fez, escondeu seus rastros. Principalmente os digitais.

Antes que este texto soe como lição de moral, deixe eu confessar que me incluo nesse grupo. Ficamos uma semana em Bento Gonçalves, em janeiro. Cansamos o corpo na piscina, recarregamos nossas baterias espirituais e tiramos fotos que só foram enviadas para as vovós e o avô das gurias, além de um ou dois amigos mais próximos. Zero registro no Facebook ou no Instagram.

Estávamos imbuídos pelo que dissera uma entrevistada da tal matéria do New York Times: "Estamos vivendo um momento em que as desigualdades que existem há tempos estão mais explícitas do que nunca. Viagens são a linha que separa aqueles cuja rotina continua relativamente normal dos que viram a vida virar de cabeça para baixo. Para mim, as fotos de férias dizem ao mundo algo do tipo ?ei, até que não está tão ruim!?, quando na verdade tem sido um horror absoluto para muita gente".

Tivemos medo de contágio nos ambientes físicos? Obviamente, por isso tomamos todos os cuidados possíveis. Tivemos medo de reprovação no ambiente virtual? Obviamente, por isso tomamos todos os cuidados possíveis.

Outros turistas da era covid-19 foram mais responsáveis e até inspiradores. Enfurnaram-se em lugares remotos, vazios, isolados. Didaticamente, seus posts explicavam e enalteciam essas virtudes geográficas.

Mas, em resumo, pelo menos a minha timeline mostrou-se um deserto de imagens do verão de 2021. O que se viu foi uma inundação de #TBTs (a legenda que o pessoal das redes sociais usa quando publica fotos em que se recordam bons tempos, eventos passados ou a própria infância). Por motivos variados - da saudade genuína à urgência exibicionista -, amigos e conhecidos sacaram de seu baú digital cliques de férias anteriores à pandemia. Podiam ser bem antigas ou recém do ano passado, na beira-mar ou até na neve, a sós ou em bando. Assim como aconteceu com as novelas da ficção, adotaram as reprises para manter no ar as novelas da vida real.

Com as devidas adaptações e precauções, as novelas da Globo estão para voltar - os últimos capítulos de Amor de Mãe, por exemplo, estreiam em 15 de março. Será que nas nossas novelinhas particulares também faremos modificações? Deixaremos para trás os check-ins e os instantâneos de todos os passos que damos? Vamos nos tornar menos dependentes das redes sociais? Pense aí enquanto dá uma curtida neste texto.

TICIANO OSÓRIO - INTERINO

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