domingo, 21 de fevereiro de 2021


20 DE FEVEREIRO DE 2021
ELIANE MARQUES

LUGARES DE BRANQUITUDE

Adah viajou à Inglaterra para estudar e retornar à Nigéria com título que a habilitasse a lugares "de valor". Até a página 49 de No Fundo do Poço, ela está no fundo do poço até que alguém a puxe ou ela naufrague. Para sobreviver, adotou a estratégia de parecer "burra" diante dos ingleses, pois "se alguém parecesse negro e burro, estaria conforme o esperado pela sociedade", diz a personagem da escritora Buchi Emecheta, com tradução de Julia Dantas. A máscara para inglês se sentir "por cima" não a impede de formular questões como esta: "Por que todo mundo sempre avaliava uma pessoa negra a partir da maneira que outra pessoa negra tinha se comportado? Basta alguém ser negro e todos os outros negros são ?seu povo?".

Adah talvez intuísse que a branquitude tem a vantagem de ser vista individualmente, ou seja, se permite aos brancos uma subjetividade alheia à do grupo, tanto que a vantagem estrutural que os alça aos lugares de poder lhes parece conquista apenas meritocrática e não resultante do Pacto Narcísico da Branquitude, como o teoriza Maria Aparecida Bento.

Conceitos como "pacto narcísico" se incluem nos "estudos críticos da branquitude", que ganham relevância na década de 1990 nos EUA e nos 2000, no Brasil. Apesar das distinções entre branquitude e branquidade, branquitude crítica e acrítica, eles têm como ponto de partida a racialização do "branco", não apenas como pele, mas como brancura portadora de privilégios materiais e simbólicos.

Alberto Guerreiro Ramos é um dos precursores desses estudos no Brasil, especialmente com o ensaio A Patologia do Branco Brasileiro (1957). O desejo de apagar as origens negra e indígena e de supervalorizar a europeia e o fato de ter o Negro como objeto de seus estudos, como se ele, o pesquisador branco, não participasse das relações de poder como alguém racializado, caracterizariam a patologia.

"Salário público e psicológico" foi o conceito que, nos EUA, o sociólogo W.B. Du Bois introduziu nos estudos raciais para explicar o motivo pelo qual os imigrantes europeus (não nórdicos), embora com trabalhos semelhantes às dos trabalhadores negros, se negavam à luta sindical. Du Bois assinala que, por não gozarem da origem anglo-saxã e do protestantismo, eles eram tidos como "brancos de segunda classe". Porém, tinham trânsito livre, voto nos tribunais, seus filhos podiam frequentar escolas em bons prédios. Sua brancura manca era compensada com um "salário público e psicológico" que resultava em ganhos diários. Melhor receber os privilégios da "branquitude" do que um tratamento de Negro. Não pertencendo à classe proprietária, os imigrantes gozavam do status de serem, por participação, da raça proprietária.

Essa é uma notícia do tema, há nuances a serem exploradas, inclusive distinções entre Brasil e EUA. No entanto, digo a Adah, a vantagem estrutural da branquidade lhe garante um "ponto de vista" a partir do qual se vê e vê aqueles que são os "outros" como unidade do outro. Mas, Adah, o olho é sempre uma ilusão.

ELIANE MARQUES

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