sexta-feira, 26 de fevereiro de 2021


26 DE FEVEREIRO DE 2021
DAVID COIMBRA

O Brasil ama odiar

Eu, para falar a verdade, gosto do Temer. Hesitei em fazer essa confissão porque sei que serei xingado e vilipendiado por isso. Mas também sei que as pessoas me xingam e vilipendiam por qualquer motivo, o que acaba sendo maravilhoso. Afinal, se serei xingado e vilipendiado por qualquer motivo, posso escrever o que bem entender - não fará diferença. É uma liberdade e é um alívio. Obrigado, haters.

Então, repito: gosto do Temer. Não como político, como pessoa. Temer é um homem educado, gentil, incapaz de uma grosseria. Hoje, grosseria é confundida com autenticidade, e mau gosto e ignorância se tornaram espécie de precondição para a honestidade. Por alguma razão, as pessoas passaram a raciocinar assim: se ele é mal-educado, deve ser honesto.

Vá entender...

Passei um dia com Temer, em São Paulo, para escrever um perfil dele. Trata-se de uma pessoa agradável, embora seja formal em demasia. No Brasil tosco de hoje, é uma figura deslocada. Todos riam dele, sem achá-lo engraçado. Assim, era fácil desprezá-lo. Temer atingiu um índice de rejeição recorde, quando presidente - algumas pesquisas chegaram a apontar 95%. Na época, esse número me espantou. Parecia-me impossível que 95% das pessoas tivessem a mesma opinião sobre o mesmo assunto.

Mas agora surgiram os percentuais de rejeição dos participantes do Big Brother. Noventa e oito por cento e uns quebrados para o Nego Di; 99,17% para essa moça, Karol Conká.

Mas espere um pouco.

Neste momento, serei obrigado a fazer outra ressalva. Ei-la: não penso que assistir ou não ao Big Brother seja demonstração de sabedoria ou desinteligência. Filósofos kantianos, carroceiros, engenheiros de cibersegurança, taxidermistas, técnicos em contabilidade ou desempregados convictos podem assistir ou não ao Big Brother sem que isso diga qualquer coisa a respeito deles, a não ser acerca de suas preferências televisivas.

Quanto a mim, não assisto por um só motivo: porque não gosto. Se gostasse, assisti-lo-ia, como diriam Jânio e Temer.

Mesmo assim, sei um pouco do que ocorre no programa pela repercussão na mídia e entre várias pessoas que conheço. Logo, entendo que houve campanhas para a remoção do Nego Di e da Karol, algo subjacente ao mundo físico que se moveu pelos corredores etéreos da internet e explodiu na realidade.

E é isso que fascina.

Porque demonstra como o brasileiro se une quando é para rejeitar. O brasileiro ama odiar, ama a iconoclastia, a desmoralização alheia, o reverso do sucesso. No Brasil, há sempre uma palavra negativa a ser dita sobre qualquer pessoa, por melhor que ela seja, por maior o bem que tenha feito.

Nelson Rodrigues dizia que, no Maracanã, vaia-se até minuto de silêncio. O Maracanã é um símbolo: o Brasil é um grande Maracanã.

Sem pretender unir uma ideia a outra, Nelson Rodrigues dizia, também, outra frase, que terminou sendo complementar a essa:

"Que Brasil formidável seria o Brasil, se o brasileiro gostasse do brasileiro".

DAVID COIMBRA

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