09 DE FEVEREIRO DE 2021
NÍLSON SOUZA
Gotinhas milagrosas
Minha reação natural ao medo é fazer piadinha. Quando a gente ainda viajava de avião, no tempo do velho normal, eu cumprimentava o comissário de bordo na entrada e brincava:
- Quero sentar no banco do Alan Ruschel. Alan Ruschel, jogador de futebol e recente campeão da Série B, foi um dos seis sobreviventes daquele acidente da Chapecoense na Colômbia, em 2017. Saiu praticamente ileso. Em pouco tempo, estava de volta aos treinos e aos jogos. O lugar em que ele sentou no voo trágico - por insistência do companheiro Jackson Follmann, pois queria ir para o fundo do avião -, acabou sendo o mais preservado dos danos causados pela queda.
Agora que as benditas vacinas estão chegando e os noticiários de televisão não cessam de mostrar braços espetados por agulhas, meu medo infantil de injeção se manifesta:
- Quero as gotinhas do Maduro.
Nicolás Maduro, o polêmico presidente da Venezuela, anunciou recentemente que os cientistas de seu país criaram um antiviral capaz de neutralizar totalmente o coronavírus até mesmo em pacientes entubados e em estado grave.
- São 10 gotas sob a língua a cada quatro horas e o milagre está feito - garantiu o mandatário em rede nacional convocada especialmente para a notícia.
A cloroquina de Maduro tem nome, chama-se Carvativir, mas sua fórmula misteriosa é desconhecida pela comunidade científica internacional. Por isso foi recebida com descrença, como se constata no comentário irônico do experiente médico gaúcho João Gabbardo dos Reis: "A ignorância não tem lado. Pode estar à direita, ao centro e à esquerda".
O medo também é dessa turma. Conheço algumas pessoas instruídas e lúcidas que se entupiram de "inas" ao testarem positivo, mesmo sabendo que tais medicamentos destinam-se a outros males. Pelo menos - olha o espírito piadista aí -, os usuários do chamado kit-covid talvez fiquem imunes à malária.
A verdade é que não tem milagre nessa história. Não adianta procurar o banco do Alan Ruschel no avião, nem esperar que as gotinhas de Maduro acabem com a pandemia. Por enquanto, o que nos resta é confiar na ciência e dar o braço à agulha, sem deixar de pressionar os governantes para que deixem de lado o ranço político e tratem de arranjar vacinas para todos os brasileiros.
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