27 DE FEVEREIRO DE 2021
FRANCISCO MARSHALL
WORDS, WORDS, WORDS
Essa foi a resposta do príncipe Hamlet, o herói angustiado, a Polônio, homem da corte, quando este lhe perguntou o que lia:"Palavras, palavras e mais palavras" (Shakespeare, Hamlet, 2.2.183). O príncipe-leitor queria confundir com ironia ao pai de Ofélia, que ora tramava contra ele; faz-se de louco, quando transborda de conhecimento sobre a trama macabra que golpeou a Dinamarca: o assassinato-regicídio de seu pai, o Rei Hamlet, por seu tio Claudius, com a cumplicidade de sua mãe, Gertrude, e sobre as ameaças que o cercam. "Há algo de podre no reino da Dinamarca" (1.4.67), diz Marcellus, amigo de Hamlet, ao parceiro Horatio, enquanto o príncipe trata com o fantasma de seu pai, o rei injustiçado, e todos sentem que lá, como cá, no Brasil-lisarB, há algo muito podre. O que será, que será?
É experiência terrível escrever com sinceridade no duro tempo em que vivemos. A pena-teclado é também radar sensível, e, tal como o fantasma de Hamlet, vêm ao estúdio assopros de assombros tenebrosos dos dramas em que ora soçobramos. Prouvera pudesse o humanista apenas dar vazão a seus e nossos sonhos e compartilhar só belas memórias e imagens, das pinturas mágicas das cavernas de Chauvet e do Piauí aos traços perfeitos de Picasso, do som de danças e fogueiras paleolíticas ao ribombar de tímpanos de Beethoven e Villa-Lobos, dos versos perfeitos de Sófocles aos cantos enigmáticos de Ezra Pound e à modernidade da pedra de Drummond, da ciência que vem das pirâmides e de Pitágoras ao pouso da sonda Perseverance em Marte (18/02/2021), das pulsões e memórias que geram o samba e a bossa nova, de tudo de potente que precisamos rememorar a cada geração, para fecundarmos o tempo com o melhor da humanidade.
Mas como fazer-se de Poliana, a personagem de Eleanor H. Porter (1913), para quem o mundo era jogo da felicidade, ou emular Pangloss, do Cândido de Voltaire (1759), o otimista ingênuo? Pobre Poliana, nunca soube que o êxtase vem de nó e desenlace, e que a imagem do mundo é feita em chiaroscuro. É compreendendo o trágico da história que podemos avançar mais fortes.
Hoje, com a força de palavras e evidências, está tudo esclarecido, como esteve para Hamlet. A tragédia atual é fruto de uma farsa, a tomada do poder e o desmonte de uma nação, desde 2016, quando o Brasil assassinou sua alteza, a democracia, e a deixou insepulta. A ilusão dos manifestoches desfilou na Sapucaí (Paraíso do Tuiuti, 2018), a tramoia de juizeco, procurador palestreiro e cúmplices conspiradores do Estado e da imprensa veio a furo, e hoje a pátria flagelada mostra aonde poderia chegar o governo de um ignorante raivoso e despreparado: destruição, e montanhas de mortos sem vacina, que podem incluir você e os seus amanhã. A trama mórbida está evidenciada, escrita, lida, mas prevaricadores irresponsáveis, rapineiros (com traje ou grana verdes) e omissos covardes no atacado e no varejo ressoam Hamlet, e fazem nossas palavras parecerem apenas blablablá. É duro escrever em era trágica, em meio à farsa.
Palavras, ide erguer os vivos contra a morte, e dar-lhes a rosa redentora.
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