13 DE FEVEREIRO DE 2021
FRANCISCO MARSHALL
RELIGIÃO
Uma das melhores contribuições das Ciências Humanas à sociedade é explanar o que significa a palavra religião e as instituições e comportamentos por ela representadas. A palavra é latina, religio, mas refere fenômenos que surgiram com o Estado, 5 mil anos atrás, no Egito e na Mesopotâmia. Além da palavra e das instituições, há o fenômeno psicológico da piedade, que inclui o sentimento subjetivo e faz com que milhares de gotículas unam-se para formar grandes rios, a correnteza das grandes religiões, que arrastam multidões e inundam as sociedades, do mundo antigo ao atual.
"Mas se mãos tivessem os bois (?) e pudessem com as mãos desenhar e criar obras como os homens (?) semelhantes aos bois desenhariam as formas dos deuses (?)." Com essa sentença, o filósofo Xenófanes de Colofão (570-528 a.C.) lançou uma das melhores teses sobre as religiões: são fatos culturais, relativos, e criações, como a pintura, com a qual se produz a veneração, diante de imagens. Há hoje cerca de 10 mil religiões. Qual delas detém a verdade? Autoridade plena, só com amparo das forças de coerção do Estado, ou por subordinação do devoto. A religião não é revelação divina, mas invenção cultural. Há religião ou religiosos que aceitam essa verdade tão singela? Pouquíssimos.
É comum ler-se uma etimologia que associa o termo religião a religare, o retorno à divindade. Essa explicação aparece na obra do cristão Lactâncio (250-325 d.C.) e foi propagada por Agostinho de Hipona (354-430 d.C.). Assim definida, a religião-religação é a relação de entrega e dependência do devoto diante da divindade. O sentido romano original, todavia, é outro, e liga o termo religio ao sentimento de escrúpulos, observância e respeito, o que consagra a autoridade de sacerdotes cuidando para que o rito seja perfeito, sob risco de se produzir o caos. Neste caso, a religião expressa disciplina e normas morais e explica a pretensão das autoridades religiosas de controlar pessoas e comunidades.
A relação da religião com o poder, todavia, é a chave do enigma. Desde o paleolítico, há crenças em potências sobrenaturais e figuras de poder, como xamãs e curandeiras. Mas, com o advento do Estado, formou-se uma casta sacerdotal que complementou as ambições de poder de guerreiros e de burocratas letrados, na Mesopotâmia e no Egito.
Mitos e ritos espetaculares consagraram essa posição de poder, e assim formou-se e perpetuou-se a principal composição de forças para dominar a sociedade. A engenharia que controlava as águas do Nilo era irmã da fantasia religiosa que associava o poder fecundo às forças divinas. Tendo para si a direção de um teatro habitado por deidades, autoridades do sagrado habituaram-se a atribuir aos deuses a autoria das normas que eles mesmos impunham aos seus. Eis a heteronomia, a norma que vem do outro, o oposto da autonomia, visada por mentes e sociedades emancipadas.
Ficção, disciplina e poder, eis o fundamento das religiões. E quem acha que amor, piedade, empatia e filantropia dependem das religiões é porque desconhece o que são essas virtudes nobres.
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