domingo, 21 de fevereiro de 2021


20 DE FEVEREIRO DE 2021
JULIA DANTAS

COMO FUGIR DO BBB

Parece que não há escapatória. Mesmo quem não assiste ao Big Brother Brasil se vê de repente diante de notícias sobre os participantes ou recebe mensagens em grupos de WhatsApp com torcidas ou reclamações. Por mais que seja evidente que sempre haverá temas mais importantes e urgentes, o BBB é uma fábrica tão potente de subprodutos que é impossível não ter contato com seus desdobramentos.

Estou entre os que não assistem, mas, mesmo que assistisse, não opinaria em público sobre nada. Não por achar que o programa é irrelevante - só sua onipresença já basta para demonstrar alguma importância no debate público nacional -, mas por considerar que, antes de tudo, o BBB é uma mercadoria. Muito bem embalada, com rótulos de verdade e pessoas reais, mas ainda assim uma mercadoria não representativa da vida comum.

Primeiro, porque as pessoas estão confinadas entre desconhecidos sem contato com o resto do mundo e sem os laços verdadeiros das suas vidas que poderiam dar suporte emocional ou puxadas de orelha bem intencionadas. Segundo, porque elas não têm como objetivo estabelecer relações, mas vencer o prêmio, atuando ou jogando conforme o que julgarem que vai ser melhor visto pela audiência. Terceiro, porque ninguém faz nada para intervir quando dinâmicas violentas surgem no grupo.

Exceto em alguns poucos casos extremos de participantes que foram expulsos após suspeitas de estupro ou agressões físicas, a regra é cruzar os abraços e deixar que as situações violentas se desenrolem. Quando escuto comentários e leio artigos sobre a presente edição, repetem-se termos como bullying, racismo e xenofobia. O tribunal da internet fica muito satisfeito com seus julgamentos morais, mas nada faz para ajudar as vítimas e, tampouco, para mudar a atitude dos agressores. A produção do programa se abstém, e nós ficamos como espectadores de situações que, se acaso testemunhássemos na vida real de fato, exigiriam nossa intervenção.

No livro A Televisão, Jean Philippe Toussaint narra as angústias de um escritor que tenta abandonar o hábito de assistir à TV e, em certo momento, ele escreve: "Nunca se opera qualquer troca entre nosso espírito e as imagens da televisão, nem a menor das projeções de nós mesmos em direção ao mundo (...), as imagens da televisão jamais remetam a qualquer sonho, nem a qualquer horror, nem a qualquer pesadelo, nem a qualquer felicidade, nem suscitam nenhum ímpeto, nenhum enlevo, e contentam-se, ao favorecer nossa sonolência e afagando nosso ego, em nos tranquilizar".

Embora pessoas muito inteligentes já tenham escrito artigos profundos e pertinentes sobre questões que ganham visibilidade no BBB, me parece que a função primordial do programa é essa a que se refere Toussaint, de favorecer a sonolência e afagar os egos. Quem fica indignado diante daquelas violências pode ir dormir no conforto da superioridade moral sem ter que jamais colocar essa moralidade em ação. É a tranquilidade de quem aceita ser mero espectador.

JULIA DANTAS

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