06 DE FEVEREIRO DE 2021
LYA LUFT
Encontros e desencontros
Na vida, essa estranha máquina que nos carrega, nos transforma, nos faz felizes ou solitários, passamos uns pelos outros, rapidamente, demoradamente, ou em uniões e amizades permanentes, essas que resistem ao tempo e nos confortam quando mandamos um recado, um olhar, um whatsapp, um e-mail, ou até um pedido silencioso, preciso ombro, escuta, resposta, ah, a importância das respostas.
E assim vamos de amado em amado, amigo em amigo, grupo em grupo, como crianças em ciranda (ainda se faz isso?) trocando de mãos, de lado, estando no centro ou fora do círculo. Não controlamos a maior parte desses acontecimentos que nos exaltam ou nos deixam de coração partido, por dias, meses, anos ou... sempre.
Lembro de na infância só conseguir dormir tranquila, de verdade, quando o carro de meu pai entrava pelo portão, passava debaixo da minha janela, entrava na garagem: meu mundo ficava em ordem. Alguém um dia me diria: quando você está aí, meu mundo fica em ordem.
Há uma beleza comovente nessas ligações, mas há também uma imensa fragilidade naquele que está mais ligado, precisado, talvez encantado do que o outro. O que inevitavelmente acontece, nas melhores relações, amizades, amores.
Não há defesa contra esse sofrimento, que pode ser muito sutil, mas lá está. Inevitável vida, insuperável condição humana, todos no fundo uns pobres coitados, assustados, carentes, ou enganosamente prepotentes.
Há décadas escrevo sobre isso, de alguma forma: a incomunicabilidade causando dor, os mal-entendidos separando, a falta de coragem para falar isolando, quando queríamos união, bem-estar e segurança pelo afeto do outro. Alguma forma de presença boa, ainda que virtual. Que, aliás, em geral ele também queria dar. Mas a humana condição nem sempre permite. O medo, medo de assustar, de ferir, de ser ferido.
Esse assunto, sobre o qual tanto escrevi e escrevo, me cansa um pouco. Por que não podemos ser mais felizes? Ou ser felizes por um pouquinho mais de tempo? Seja lá o que isso signifique para cada um.
Neste momento, uma grande mancha, uma sombra escura e pegajosa se espalha sobre o planeta e atinge a todos nós, os que tivemos, teremos ou nos salvaremos da Peste moderna chamada covid, em que vários ainda não acreditam. Morrem centenas de milhares, e ainda há quem ache trama de impérios ávidos, de políticos assassinos, subserviência de povos ignorantes e miseráveis.
Seja como for, há desencontros por causa disso, por incrível que pareça: nos zangamos com quem acredita no vírus, nos irritamos com quem não acredita no vírus. Se não for política, agora a enfermidade, ou a possibilidade dela, provoca discordâncias, xingamentos, hostilidades.
Botam à prova nossa humanidade melhor, a que quer amar e ser amada, seja com que forma de afeto for, amizade, desejo, amor, não importa. Parceria. E, assim, o vírus não só mata pessoas, mas relações: que pena, que pena, que absurdo beirando o ridículo, se não fosse tantas vezes trágico.
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