domingo, 21 de fevereiro de 2021


20 DE FEVEREIRO DE 2021
INFORME ESPECIAL

A despedida e as inquietações de um desgarrado

Morreu Telmo de Lima Freitas, aos 88 anos. Sua partida abre a oportunidade para uma reflexão sobre o futuro da música nativista do Rio Grande do Sul. Nada muito pretensioso. Apenas uma inquietação de um desgarrado que prepara os seus assados de domingo na churrasqueira de um apartamento e, às vezes, divaga ouvindo Noel Guarany. Paisagens, cenas do cotidiano e personagens que inspiram os versos de compositores como Telmo de Lima Freitas são cada vez mais escassos. Em alguns casos, rumando aos poucos para a extinção.

A descrição presente na música Esquilador só pode ser feita por quem, dotado de sensibilidade poética, conhece e assiste à sequência de movimentos e sons do trabalho sincronizado da tosquia. O rebanho ovino do Estado se reduziu a uma ínfima parte do que era há quatro décadas e, ao longo do tempo, a máquina substituiu a tesoura, uma constatação presente na canção de Telmo, já final dos anos 1970. A figura do esquilador é apenas uma que vai sumindo.

A vegetação nativa do bioma Pampa no Rio Grande do Sul é hoje um terço da original e, apenas de 2000 a 2018, perdeu 15,5 mil quilômetros quadrados, o dobro da extensão do município de Alegrete, o maior do Estado, segundo o IBGE. Esta conversão, óbvio, é fruto do avanço da agricultura, notadamente da soja, muito mais rentável do que a pecuária tradicional. Mas foram as atividades originais do Rio Grande do Sul, junto às elucubrações sobre questões sociais mais profundas, como o êxodo rural, a observação da natureza, ou mesmo temas divertidos, como pitorescos episódios em bailes de campanha, que inspiraram as músicas décadas depois ainda cantadas. Mesmo por quem sequer compreende boa parte das expressões, caso de Esquilador.

O fato é que, com a transformação da paisagem rural do Rio Grande do Sul, a cena quase mítica do gaúcho a cavalo nas coxilhas, campereando, é cada vez mais esporádica. Perdeu espaço para o ronco de tratores e colheitadeiras. Sobrevive em alguns rincões, assim como, aqui e ali, alguma marcação da terneirada e um bolicho de beira de estrada.

A agricultura é hoje sinônimo de prosperidade, empregos no campo e na cidade, tecnologia e inovação. E o que é inspirador pode ter o inconveniente de ser improdutivo, ultrapassado e mal pagar as contas. Modernizar e buscar mais rendimento significa progresso. É o que move a humanidade, embora aqui se possa discutir passivos ambientais. Se não fosse essa migração de atividade, o número de taperas, Rio Grande afora, seria bem maior e, as agruras econômicas, mais severas.

Mas vai ser difícil fazer versos inesquecíveis sobre o ofício de pulverizar uma lavoura, se é que me faço entender. Ou então sobre uma vivência que não se tem ou lida cada vez mais rara. Não há, aqui, juízo de valor. Tampouco a defesa de ficar aferrado a um passado, em muitos casos, até romantizado. Há apenas uma inquietação e uma ponta de nostalgia.

CAIO CIGANA - INTERINO

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