09 DE JULHO DE 2020
DAVID COIMBRA
Um lugar que o vírus vai matar
Acho que a Redação de jornal acabou. Culpa das redes sociais e da pandemia, que empurrou as pessoas para o trabalho no recôndito do lar. Aliás, proponho a extinção dessa expressão, "home office", que, por sinal, nem é usada nos Estados Unidos. Eles até podem ter um "office", um escritório, no "home", em casa, mas falam "I?m working from home". Então, a partir de agora, vamos só dizer que trabalhamos no recôndito do lar. Mais bonito. Mais poético. E, se você tiver preguiça, pode abreviar: "Estou no RL". Ficou até moderno.
Mas, voltando às Redações, temo que elas é que não voltarão. Os jornalistas trabalharão cada qual em seu RL, e a Redação ficará limitada a alguns poucos editores. Pensar nisso me entristece. Uma vez, quando estava indo fazer um programa na antiga TVCOM, o Professor Ruy Carlos Ostermann me disse, com aquela sua entonação grave, cheia de significados entre as sílabas:
"Tu és um homem de jornal...".
Tomei por elogio. Porque é assim que me vejo, como um homem de jornal. E a Redação do jornal sempre foi o ambiente em que me senti mais à vontade, sempre foi o meu hábitat, sobretudo a Redação de Zero Hora, onde passei grande parte da minha vida.
Imagine 200 pessoas trabalhando juntas num salão amplo e aberto. Todas se veem, todas se conhecem, sabem das histórias umas das outras. Ali você encontra especialistas em cada setor da vida da comunidade, um telefona para governadores e ministros, o outro entrevistou o Caetano Veloso, aquele lá conversou com o Pelé no vestiário da Seleção e tem o que conhece cada ala do Presídio Central como se fosse a sua casa.
Na verdade, a Redação de jornal é o jornalismo raiz. Volta e meia, estou aqui escrevendo no recôndito do lar e tenho vontade de gritar pro Serginho Villar:
"Vamos a uma rubiácea?". Só que não estou na Redação e o Serginho não está aqui.
Eu tomava uns 10 cafezinhos por dia. Expresso, quase sempre. Às vezes, cappuccino. Uma tarde, propus para o Mário Marcos:
"Que tal um irish coffee?". O Professor Ruy se animou, lá detrás do seu terminal:
"Irish? Temos irish?".
Não tínhamos. Era só uma isca para pegar o Professor.
Quem nos servia o cafezinho era a Lara. Outro dia ela postou, numa rede social, uma foto em que ela está atrás do balcão do bar da Redação, pronta para restaurar nossas forças com seu café quente e forte, como devem ser os bons repórteres. "Saudade", suspirou a Larinha, no post.
Saudade, saudade...
Já trabalhei em Redações com máquinas de escrever e telex. Era uma barulheira. Naquele tempo, era permitido fumar na Redação, e todo mundo fumava. Era uma fumaceira.
Você escrevia sua matéria em laudas. Se o texto não estava bom, você amassava a lauda, fazia uma bolinha e jogava na cabeça do colega da frente.
Depois vieram os computadores e a Redação se tornou mais silenciosa e pacífica. Como havia um sistema interno de mensagens, ficou mais fácil de abordar aquela repórter nova da Geral. Que alegria. Até porque, todo mundo sabe, jornalista só se reproduz em cativeiro.
Fomos felizes na Redação. Mas a perderemos, decerto que sim. Mais uma perda da maldita peste.
DAVID COIMBRA
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