08 DE JULHO DE 2020
FÁBIO PRIKLADNICKI
40 anos de "Saudade do Brasil"
Praticamente todos os álbuns de Elis Regina preservam uma surpreendente atualidade, com exceção dos primeiríssimos, quando Elis ainda não era Elis. Mas, de todos eles, um pode ser lembrado por um sentimento novamente familiar. Um álbum não: dois, pois Saudade do Brasil foi lançado, há 40 anos, em LP duplo - hoje, está disponível nas plataformas digitais como um único discão com mais de uma hora de música.
Saudade do Brasil ansiava pelo reencontro com um país esquecido, ou melhor, apagado. Desejava poder amar novamente seus símbolos, sem culpa. E ouvir Elis, hoje mais do que nunca, é uma forma de amar o Brasil de todos. Todos mesmo: os bailarinos que participaram do megashow que serviu de base para o álbum de estúdio eram pessoas sem formação artística, muitas delas operárias.
Estava longe de ser meramente um "disco de protesto" contra a ditadura, mas é o que se poderia chamar de um álbum conceitual, com transições de clima e humor que retratam facetas de um país e sua gente. Como não se divertir com a caricatura da high society em Alô Alô, Marciano (Rita Lee/Roberto de Carvalho), cantada por Elis em uma de suas mais debochadas interpretações?
Elis sabe que é preciso rir das nossas desgraças, mas o tom predominante é de pesar. Exemplo disso é a mais lúgubre versão da Aquarela do Brasil (Ary Barroso) de que se tem notícia. Contrastando com o suingue descompromissado que se associa à canção, Elis entrega uma representação lacrimosa, transformando o hino de louvor em reza de luto. Há muita coisa boa nesse álbum: várias de Milton Nascimento, como Canção da América (dele e de Fernando Brant), Moda de Sangue (do gaúcho Jerônimo Jardim com Ivaldo Roque), Aos Nossos Filhos (Ivan Lins/Vitor Martins) e Sabiá (Tom Jobim/Chico Buarque).
O encerramento é em tom de esperança, com outra de suas memoráveis gravações: Redescobrir, de Gonzaguinha, conhecida pelo refrão: "Como se fora brincadeira de roda?". Começa com Elis acompanhada apenas pelo piano, sendo respondida pelo coro a cada verso. Depois, vira uma animada marchinha, uma verdadeira brincadeira de roda. Mais do que um álbum conceitual, Saudade do Brasil é uma pintura, dessas que visitamos nos museus para não esquecer o passado.
FÁBIO PRIKLADNICKI
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