quarta-feira, 8 de julho de 2020



08 DE JULHO DE 2020
DAVID COIMBRA

O choro de dois homens na conta de Bolsonaro

Dois amigos meus receberam, no mesmo dia, telefonemas de amigos deles que choravam. Isso aconteceu na semana passada. Dois homens adultos chorando de desespero porque perderam tudo o que tinham devido à pandemia.

Suponho que esses dois não sejam tão entusiastas na defesa do confinamento irrestrito, do possível lockdown. Essa defesa, pelo que tenho visto, é feita por quem não perdeu seu emprego ou sua empresa, está em casa fazendo lives e colocando em dia as séries de TV e posta que sente falta, mesmo, dos abraços e dos beijos de seus afetos.

Não quero dizer, com isso, que não concordo com o isolamento como uma das estratégias de contenção da doença. Concordo. Desde que seja bem planejado. O isolamento tem de levar em consideração os dramas desses homens, e de tantos outros que não são vistos. Porque, para eles, não existe o tal confronto entre a economia e a saúde. Para eles, o que está em jogo são suas próprias vidas.

O que acontece com essas pessoas, milhões delas por todo o Brasil, precisa ser acrescentado ao cálculo que o governante faz quando decide impor restrições à comunidade. As queixas delas são legítimas, elas não são egoístas pensando apenas no dinheiro, elas não são mesquinhas que não se importam com a saúde do próximo.

Infelizmente, essa ponderação não é feita. Isolamento se tornou "cool", no Brasil. Tornou-se científico e incontestável, e qualquer consideração de pessoas como aqueles dois homens que choraram vira sinônimo de insensibilidade capitalista.

Existe um culpado por essa situação. Um único indivíduo. Ele se chama Jair Messias Bolsonaro. Ao se opor a qualquer tipo de distanciamento, ao não usar máscara, ao estimular aglomerações, ao defender como curativo um remédio não testado, ao não ouvir seus ministros técnicos, ao se mostrar indiferente ao número de vítimas da doença, ao pregar a abertura ampla da economia, Bolsonaro foi mais do que irresponsável; Bolsonaro se tornou símbolo de tudo o que não se deve fazer durante a pandemia.

O comportamento de Bolsonaro politizou o vírus. E tornou impossível tratar dessa questão com todas as nuances que exige um país complexo e cheio de precariedades como é o Brasil. Porque o Brasil não é a Austrália, não são os Estados Unidos, nem é a Alemanha. No Brasil, qualquer restrição tem de ser muito bem medida, porque ela pode gerar danos irrecuperáveis.

Agora, Bolsonaro testou positivo para covid-19, e a oposição comemora isso como uma vitória. Não deveria ser assim. Mas é assim por causa do próprio Bolsonaro. Não fosse ele, a reabertura, o distanciamento, o isolamento e até o lockdown seriam encarados com naturalidade. Os governantes poderiam gerir a crise com mais tranquilidade, sem a pressão do debate político, e o país teria mais paz em meio a tanta dor.

O comportamento infantil de Bolsonaro gerou inclusive as dificuldades na análise em separado de casos como os daqueles dois homens que choraram. Está na conta de Bolsonaro aquele pranto, assim como o sofrimento de todos os que padecem pela peste. Conta que, mais cedo ou mais tarde, estejam todos certos, será cobrada.

DAVID COIMBRA

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