08 de janeiro de 2013 |
N° 17306
DAVID COIMBRA
Uma caminhada pela Assis
Brasil
Ela era uma loirinha de olhar
azul-mar-da-Brava que eu via de vez em quando ali pelo bairro.
Eu já morava na curva da Plínio,
mas ainda estudava no Costinha, na Zona Norte profunda. Quantos anos teria? Uns
12 ou 13, porque estava na sexta ou na sétima série. Todas as manhãs, bem
cedinho, dava uma pernada até a Assis Brasil e tomava o ônibus lotado para o
Parque Minuano, onde ficava incrustado o coleginho. Ia sempre de pé, pingente
da barra de ferro, cabeceando de sono. As asperezas da vida suburbana.
Mas, naquela manhã, surpresa!,
avistei a loirinha uns poucos passos adiante, caminhando cheia de gingado com a
pasta da escola debaixo do braço tenro. Emparelhei com ela. E aiam? Tudo tric?
Ela sorriu um sorriso branquinho. Bom sinal. Perguntei se também ia pegar o
humilhante na Assis.
Ela sorriu de novo (gol do
Brasil!) e falou que não, que usava suas próprias pernas torneadas e macias
para chegar ao colégio, o Dom Diogo de Souza, lá perto do velho Cine Real, onde
só passava filme tipo “Por trás dos muros do convento” e “Histórias que nossas
babás não contavam”. Cara, uma caminhada forte, mais de dez quadras. A menina
era valente.
– Quer ir comigo? – ela
perguntou, e de sua voz escorria leite e mel.
Calculei o tempo que levaríamos
até lá. Chegaria atrasado. Perderia a aula. Então, dentro de mim, travou-se a
luta do Dever contra o Prazer, uma luta titânica e ancestral, que nasceu com a
Civilização, que é empreendida por todos os seres humanos desde que o primeiro
homem teve a consciência que que existe futuro, uma luta que, vencida pelo Dever,
faz com que nações sejam erguidas, com que nomes se tornem consagrados, com que
histórias sejam escritas.
Sim, o Dever acima de tudo é o
que faz com que um homem se transforme em um Homem com agá maiúsculo, com a
espinha ereta e o olhar firme. O Dever!
Mas, em mim, o Prazer precisou de
20 segundos para transformar o Dever em uma pasta disforme de carne e sangue
rojada ao meio-fio da avenida. Segui com a loirinha. Matei aula. E foi um
grande momento da minha existência. Não porque, mais tarde, encetei um namorico
com a loirinha, mas porque, naquela manhã, me senti livre.
Eu tinha 12, 13 anos e estava
fazendo só o que queria. Caminhava pela Assis Brasil conflagrada carregando os
livros da menina, a conversa naquela evolução manemolente e talicoisa, e depois
nos despedimos e fui em frente sozinho e, se quisesse, poderia ficar zanzando
por ali, vagabundeando, ou até voltar para casa e jogar botão com os guris, sei
lá. Decidi ir para o colégio e assistir à segunda aula, mas só fiz isso porque
EU pude decidir. A opção era minha. Sentia-me um homem, sim, senhor.
A aragem da liberdade.
Fico imaginando como devem sentir
falta dessa aragem os jogadores de futebol profissionais, eles que passam
metade de suas semanas trancafiados na concentração e que, agora, em começo de
temporada, passam 10 ou 20 ou mais dias confinados num hotel, feito
presidiários noruegueses. Não é um sistema adequado a homens adultos. Não seria
nem a meninos de 12 ou 13 anos. Sou a favor da liberdade sempre. Só a liberdade
pode fazer com que você decida, feliz, pela responsabilidade.
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