sábado, 5 de janeiro de 2013



06 de janeiro de 2013 | N° 17304
PAULO SANT’ANA | MOISÉS MENDES (interino)

Exibimento

Há um duelo dissimulado nas minhas conversas com o Sant’Ana sobre nossos médicos. Se digo que tenho uma consulta na semana que vem, ele me diz que acabou de voltar de cinco. Se falo que tenho atualmente quatro médicos, ele me diz, como quem ainda acha pouco:

– Eu cheguei aos 13 médicos...

Falar de médicos não é falar de doenças. Fala-se dos médicos por exibimento, como os argentinos falam de seus psiquiatras. Homens falam mais de médicos do que as mulheres. Mulheres ainda falam mais do personal trainer, de arquitetos de interiores, de cabeleireiros e dos ex-maridos.

O Sant’Ana vai ao médico como quem vai ao barbeiro. Adora médicos e, a cada consulta, desapaixona-se por um e apaixona-se por outro. Um dia disse:

– Estou apaixonado pelo doutor fulano. É eloquente, espirituoso, fala muito.

– Mas é um bom médico?

– Não interessa, o que interessa é que ele me diverte.

Passa um tempo e ele apresenta sua nova paixão:

– Me apaixonei pelo doutor beltrano.

– Mas na semana passada a tua paixão era outro.

– Mudei. Minha paixão agora é o doutor beltrano, que fala pouco e me ouve muito. Bons médicos ouvem, auscultam.

Me lembro de dois com esses tipos opostos, na minha adolescência no Alegrete. O eloquente, maravilhosamente falante, Jarbas Mendonça Aurélio. E o que auscultava, silencioso, Cyro Leães. Minha avó Nina era apaixonada pelos dois.

Sabemos que nossos médicos sabem tudo de nós, não porque nos monitoram e nos medicam, mas porque têm total domínio das nossas fragilidades. Eu tenho um homeopata que me trata há tempo, o Gerso Martinelli. Entreguei a ele a tarefa de descobrir por que minha asma sumiu, depois de 54 anos.

Sant’Ana não tem homeopata. Conto a ele que me cuido também com o urologista Tulio Grazziotin, com o oncologista Antônio Dal Pizzol Júnior e com o gastroenterologista e cirurgião-chefe da cirurgia oncológica da Santa Casa, Antonio Nocchi Kalil. Sant’Ana diz ter seus equivalentes. Mas me alerta: me faltam nove médicos para empatar com sua equipe.

Por que nomear os médicos? Porque aqui está a graça do exibimento, ou você acha que médicos que te passam a confiança de um Grazziotin devem ser ocultados? Digo ao Sant’Ana: um Dal Pizzol Júnior, por exemplo. Como um médico de 35 anos pode transmitir uma sabedoria (não só técnica, mas emocional) de quem parece ter mais de 50? Que energia tem esse Dal Pizzol.

Cito o nome do Kalil e Pablito se ouriça de ciúme bom:

– Pois me falam deste cara.

Pois falem. Kalil é um dos craques da medicina gaúcha e me puxou do penhasco, como já contei aqui, quando eu estava dependurado num galho seco e vergado. Um ano depois de me salvar, ele me perguntou:

– Tu achaste que iria morrer?

Eu disse que não. E respondi com a lembrança de uma crônica recente do Heitor Cony, em que ele conta que não teme a morte, mas o cerimonial do velório. O que cheguei a temer mesmo, quando não tinha energia para informar sobre as providências a serem tomadas, era o debate sobre o que fazer com as minhas cinzas. Zombar da doença e da morte é o que nos salva, desde que a gente tenha bons médicos.

Pablito retorna esta semana de Cancún. Terá ficado 10 dias sem ir a um médico, se é que não foi. Ele gosta tanto de ser auscultado, que, quando retorna de um consultório, anuncia como quem viu um bom filme:

– Que consulta! Que médico!

Eu completo agora, Pablito. Quando deixamos suas salas, nossos médicos devem exclamar às secretárias, por puro exibimento:

– Que consulta!!! Que paciente!!!

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