04
de janeiro de 2013 | N° 17302
PAULO
SANT’ANA | MOISÉS MENDES (interino)
Não olhe nos
olhos
Há
uma tentação a nos espreitar nesse caso de Cotiporã. É a tentação de se
sucumbir à hipnose dos bandidos. A cada movimento do grupo em fuga, surge a
informação de que há quase uma cordialidade no trato dos assaltantes com seus
reféns.
O
delegado Guilherme Wondracek conhece bem essa gente e a lição que a polícia dá
a vítimas de violência: não olhe os bandidos nos olhos. Primeiro, porque eles
não gostam, e segundo porque você poderá ser hipnotizado.
Wondracek
é o diretor do Departamento Estadual de Investigações, o Deic. Nos anos 80, ele
era adolescente em Ijuí quando prenderam na cidade o temido Folharada, o
Papagaio daquele tempo (Wondracek, o guri filho do Claude e da Maria Cláudia,
tinha cara de matemático míope, virou delegado e foi quem, há uns 10 anos,
prendeu Papagaio).
Pois
lá nos anos 80 eu fui o primeiro repórter a entrevistar Folharada na delegacia.
O assaltante estava algemado à cabeceira de uma cama. Serviram, sobre o colchão,
um prato de arroz com feijão. Ele manejava uma colher e comia desajeitadamente.
Foi
então que olhei nos olhos de Folharada, pensei na mãe dele, no pai e nos
descaminhos da vida e vi um Bambi desamparado. Me comovi e perguntei a um
inspetor se ele não poderia tirar as algemas para que o rapaz almoçasse
direito. A resposta do policial:
–
Pega e leva o Folharada para almoçar na tua casa.
Os
assaltantes de Cotiporã jantaram na casa de um agricultor e pagaram a refeição
com R$ 50. Emocionaram-se com a situação de uma idosa doente e, se ficassem um
pouco mais, fariam doações para a igreja e para o time de futebol.
Há
uma tese antiga, que o delegado Wondracek domina melhor do que todos nós, que é
a seguinte: se desse para escolher, um policial escolheria olhar a cara de um
dos bandidos profissionais do assalto a Cotiporã do que mirar, sob a ameaça de
um revólver, os olhos de um assaltante amador, avulso nas ruas de Porto Alegre,
drogado, inseguro, assustado, imprevisível.
Os
assaltantes de Cotiporã não são bonzinhos como Folharada tentava aparentar, até
porque se valem de crianças como reféns. Mas nos oferecem o consolo de que
parecem dominar a situação. Bandidos com esse perfil são assim desde o tempo em
que a moda era assaltar bancos do Interior indo até a casa dos gerentes, para
que esses abrissem o cofre.
Os
relatos das famílias transformadas em reféns pelos bandidos de Cotiporã é
semelhante às histórias contadas pelos gerentes de bancos que ouvi alguns anos
atrás: em algum momento, as vítimas se convencem, e não só pelos mecanismos de
defesa, de que, apesar da violência, todos conseguirão escapar.
Esses
homens que jantaram na casa da família Casanova, à margem do Rio das Antas, em
Bento, só queriam comer, beber e fugir. O que isso quer dizer? Que também na
hora do horror você deve torcer para que seus algozes sejam profissionais.
Mas,
se não quiser se comover, nunca olhe nos olhos de um assaltante. Não tente
imaginar como foi sua infância, onde foram parar seus pais, que carência
freudiana o mobilizou para o crime. Faça como fizeram os moradores da Linha
Ferri: ofereça, como todo gringo gosta de fazer, uma fartura de copas, salames,
queijos, pães e vinhos. Vire as costas e espere que palitem os dentes e decidam
ir embora. Só então chame o delegado Wondracek.
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