04
de janeiro de 2013 | N° 17302
LEIA
NA PRAIA | NÍLSON SOUZA
LEIA NA AREIA ÊXTASE À
BEIRA-MAR
Bastou
um descuido durante o banho e o mar de Capão da Canoa engoliu o anel que ganhei
de meus pais quando fiz 18 anos. A não ser que um improvável Gollum o recupere,
ficará para sempre no estômago arenoso do oceano, como milhões de objetos e
almas que jamais voltaram das profundezas.
Os
antigos navegadores culpavam as sereias, mas na verdade é o próprio mar que
exerce essa atração quase fatal sobre seres humanos de múltiplas idades, sexos
e nacionalidades – incluindo-se aí os gaúchos de todas as querências. Basta um
solzinho de 40 graus, como esse que anda lambendo a nossa moleira nos últimos
dias, e já nos bandeamos de mala e cuia para a freeway, na direção do Litoral
Norte e da aprazível vizinhança além Mampituba.
O
barulho do mar nos enfeitiça como o flautista de Hamelin fazia com ratos e
crianças. Alguns de nós procuramos disfarçar, inventamos motivos outros para o
êxodo dos fins de semana e dos meses de verão: espaço ao sol, pés descalços,
pouca roupa, cerveja, picolé, carteado, frescobol. Nada disso. Vamos mesmo é
para atender ao atávico chamado do oceano, hipnotizados pelo seu movimento de
sístoles e diástoles.
Quem
nunca se deteve, extasiado, diante daquela enorme massa de água que avança e
recua de acordo com o próprio humor? A imensidão líquida nos comove e nos faz
filosofar. Quando a gente pensa que todos os mares se comunicam, o mistério se
torna ainda mais impressionante. A mesma porção de água que agora nos acaricia
os pés pode ter trazido a caravela de Colombo para a costa americana ou banhado
a primeira ameba que se transformou em gente.
Basta
olhar para além da arrebentação para que nossa imaginação navegue solta rumo ao
desconhecido. É isso o mar, um convite à liberdade, à aventura, à magia da vida
e aos mistérios que talvez nos esperem além dela. Rimbaud disse que a
eternidade é o mar misturado ao sol.
Chegaremos
lá. Antes disso, porém, aproveitemos esse presente que a natureza nos deu. Com
a devida atenção, pois nem sempre ele leva apenas os anéis.
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