02
de dezembro de 2012 | N° 17271O
CÓDIGO
DAVID | DAVID COIMBRA
O PAPAI NOEL E OS
BICOS
No
coração galopante da cidade, na Praça 15, tem a casinha do Papai Noel. O Papai
Noel fica sentado sob a porta de entrada, esperando as crianças atrás da sua
pança. Ao lado dele há duas grandes urnas de acrílico. Uma com cartas
endereçadas, exatamente, ao Papai Noel, o que é uma contradição.
Afinal,
o Bom Velhinho está ali, em barba e osso, pode ouvir pessoalmente as
reinvindicações das crianças. Por que fazê-las também por carta? Vai ver é a
necessidade cartorial que o brasileiro tem de documentar tudo, de deixar o
passado imortalizado em papel. Sei lá. Seja.
O
que me interessou mesmo foi a outra urna. A dos bicos. Ou chupetas, como você
preferir. Havia uns cem bicos na urna. Fiquei olhando para eles. Imaginei as
criancinhas que, diante do Papai Noel e suas promessas de mimos no Natal que se
avizinha, puxavam o bico de entre os dentes e o abandonavam para sempre. O
menininho de mão com a mãe, fitando seu bico na urna pela última vez. Pela
última vez...
Foi
comovente. Dentro daquela urna estavam cem símbolos da dor da vida humana neste
Vale de Lágrimas. Cem símbolos de renúncia, de passagem de fase, do prazer
abdicado em nome do amadurecimento.
Cem
menininhos e menininhas deixaram lá seus bicos e, com eles, um pedaço da
primeira infância. Por que, meu Deus? Por quê?
A
renúncia
O
meu guri está passando exatamente por esse drama. Tem cinco anos de idade e
ainda chupa bico. Já devia tê-lo largado, ele sabe disso, todos dizem isso para
ele. Mas ele não consegue. Foi o que me disse dia desses, sentado no colchão da
sua cama, os pés balançando:
–
Acho que não vou conseguir largar o bico, papai...
E
suspirou.
Suspirei
também. E depois falei:
– Já
larguei vários bicos nessa vida, meu filho – novo suspiro. – É duro, é
dolorido, mas a gente acaba largando...
Dia
da decisão
A chegada
do Natal está deixando meu filho aflito. Ele ouviu dizer que Papai Noel
reivindica bicos em troca de presentes, e agora passa os dias especulando:
–
Acho que ele não vai ter tempo para pedir meu bico, não é, papai? Ele tem
muitas crianças para atender, tem que sair correndo com aquelas renas...
– E
se eu desse meu bico para o Coelhinho da Páscoa? Acho que o Coelhinho também
gosta de pegar bicos...
–
Mas, afinal, o que é que o Papai Noel faz com todos esses bicos lá no Polo
Norte?
– É.
Acho que não vou conseguir mesmo. Melhor deixar o meu trenzinho com o Papai
Noel...
Cachoeira
do Sul
Não
foi no Rio o melhor Carnaval da minha vida, e olha que já passei Carnaval no
Rio em meio a todo o telecoteco-borogodó, e até saí atrás da Império Serrano na
Sapucaí naquele ano do bumbum-paticumbum-prugurundum. Nem foi em Floripa, e
isso que já estive na Praia Brava, no Bar do Pirata, trinchando torpedinhos de
siri. Nem em qualquer fio paradisíaco da franja do Atlântico. Nada disso. Os
melhores carnavais da minha vida os desfrutei em Cachoeira do Sul.
Cachoeira
do Sul, imagine
Cachoeira
está engastada bem no centro do Rio Grande do Sul. Talvez por isso tenha um
pouco de cada palmo do Estado. Às vezes, Cachoeira mostra a franqueza ingênua
da Fronteira Oeste. O meu amigo Meia (de “Zé Colmeia”) parece um fronteiriço,
embora viva a vida inteira em Cachoeira. Lembro que o Meia dizia:
–
Escrever eu escrevo, o que não sei é acolherar as letras.
Não
é uma frase da Fronteira?
Já o
meu amigo Sérgio Lüdtke, que foi quem me levou para Cachoeira, o Sérgio é o
típico descendente de alemão – destemido comedor de embutidos, sedento bebedor
de chopes, tão ordeiro quanto festeiro, qualidades germânicas que não são
excludentes. O apartamento que o Sérgio dividia com outros três cachoeirenses
aqui na Praia de Belas era um lugar sempre... movimentado. Uma noite, saímos
para a esbórnia e o irmão do Sérgio, o Café (de “Carlos Fernando”) desapareceu.
Voltamos
para o apartamento e ele não estava lá. Quando acordamos, estava. Dormia no
carpete da sala com um pé de sapato de mulher sobre o peito. Era um sapato
bonito, um escarpim, de salto alto e fino. Um único pé. O que fazia no peito do
Café, ele nunca soube explicar.
O
certo é que o Café, como o Sérgio e todos os demais cachoeirenses, exceto um,
todos adoravam uma festa. Assim, o Carnaval de Cachoeira era incomparável. Nós
tínhamos um bloco, o Ala-la-ô, que nunca foi campeão, suponho que por causa da
energia despendida no chamado “esquento”.
Quando
chegava a hora da apresentação nos clubes, estávamos, por assim dizer,
dispersos. Perdemos troféus, mas as lembranças guardamos. Nossas lembranças são
os nossos títulos.
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