24 de junho de 2016 | N° 18564
CLÁUDIA LAITANO
Contraditórios
A coerência talvez seja a mais rara das virtudes. Desejos, emoções e inclinações pessoais costumam nublar nosso julgamento a respeito do que é ou não coerente com o que dizemos ser ou acreditar, o que nos torna seres contraditórios pela própria natureza. Em geral, porém, encaramos nossas atitudes como páginas de um único romance em que todos os capítulos se encadeiam com lógica e bom senso, refletindo nossas convicções mais íntimas e genuínas – o que, na maior parte das vezes, não passa de autoilusão.
Pessoas dizem uma coisa e fazem outra o tempo todo – e nem sequer se dão conta. Como prestam mais atenção em atos do que em palavras, nossos filhos costumam ser ótimas vitrinas de todas as mensagens subliminares contraditórias que enviamos a eles quando crianças. “Larga o celular”, reclama a mãe pendurada no telefone. “Vai estudar”, ordena o pai que nunca abriu um livro.
Mas nenhuma plataforma é tão apropriada para flagrar incoerências quanto as redes sociais. Ali, onde todos se inflamam pelas causas mais justas e registram suas mais profundas indignações cívicas, também aparecem as contradições mais evidentes entre teoria e prática, aparência e essência, discurso e atitude.
Nas redes sociais, usam-se dois pesos e duas medidas para avaliar a relevância e a procedência das notícias conforme elas ratificam ou não o que já se pensava antes – e compartilha-se menos o que faz refletir do que aquilo que apenas confirma o ponto de vista que já se tinha. (Aos amigos, tudo. Aos inimigos, justiça.) Tudo isso é tão corriqueiro, que o que realmente nos surpreende, por contraste, é a integridade intelectual e o equilíbrio – ativos nem sempre muito valorizados no mercado da popularidade virtual.
Nesse ambiente em que todo antídoto pode revelar-se veneno, algumas incongruências se destacam e chocam mais – a mim, pelo menos. É o que acontece quando o devoto religioso mais pio é a favor da pena de morte ou da homofobia ou quando um defensor do direito dos animais torna-se especialmente raivoso contra o animal humano – às vezes não menos frágil porque tolo.
Por outro lado, se não fossem as redes sociais, jamais saberíamos que as mesmas pessoas que admiram políticos que defendem a tortura e fazem piada com estupros podem ser capazes de enfeitar sua timeline com fotos de gatinhos fofos e cards de corações. Convictas, claro, de que é tudo normal e perfeitamente coerente.
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