21 de junho de 2016 | N° 18561
DAVID COIMBRA
A história do penico
Gosto do Alceu Collares. Foi bom prefeito de Porto Alegre, mas não é por isso que gosto dele. Gosto como pessoa. Ele anda desarmado pelo mundo.
Ah, sim, sobre os políticos, você sabe: uma sociedade saudável sempre desconfia deles. De todos eles. Mas isso não significa que alguns não sejam boa companhia para chopes gelados, cremosos e dourados como a pele da Dieckmann.
Collares é.
Quando governador, Collares me aprontou uma. Eu era repórter de política e seu tempo de governo estava completando uma data redonda. Depois de certa insistência, consegui marcar uma exclusiva com ele, mas tinha de ser no sábado de manhã. Convenci a direção do jornal a segurar a impressão da edição de domingo até que escrevesse a matéria, e me toquei para o Palácio Piratini.
Collares estava de bom humor – ele é bem-humorado. Falou bastante, contou piada e tudo mais. A folhas tantas, perguntei sobre a situação dos professores, que, é claro, estavam em greve. Aí ele citou a presidente do Cpers, Maria Augusta Feldman, e disse assim:
– A Maria Augusta tem que botar um penico na cabeça!
Era uma declaração pesada. Referia-se, obviamente, ao que Maria Augusta tinha dentro da cabeça. a hora, pensei: eis a abertura da minha matéria. Olhei para ele tentando não demonstrar ansiedade. Ele apontou para o meu bloco:
– Anota aí: tem que botar um penico na cabeça!
Saí do palácio exultante. Corri para a redação, escrevi e no começo da tarde já vi minha matéria estourando na manchete. É óbvio que a repercussão foi ruidosa e nada positiva para o governo – no dia seguinte, as professoras não batiam sinetas em frente ao Piratini: batiam penicos.
Bem.
Naquela mesma semana, havia uma cerimônia no Centro Administrativo. Collares concederia entrevista coletiva. Me fui. Cheguei um pouco atrasado, a coletiva já tinha iniciado. Ao me aproximar dos colegas, percebi que Collares me viu com o rabo do olho. Então, assim que me posicionei, ele olhou para mim, interrompeu o que falava e disse, com aquela sua voz redonda:
– Por que tu foste colocar aquilo do penico? Por quê? Eu te disse pra não colocar aquilo do penico! Eu te disse! Olha o problema que tu me criaste!
As luzes, as câmeras e os olhares todos se voltaram para mim. Fiquei branco e depois vermelho e depois cinza arroxeado. O governador do Estado estava me passando uma descompostura transmitida ao vivo por rádio e TV! Abri a boca. Saiu um “o senhor falou que...”. Mas ele não me deixou concluir. Seguiu falando sobre outro assunto e nem olhou mais para mim.
Malandro.
Tudo bem, aquela ele me ganhou. Mas o episódio não impediu que mantivéssemos um bom relacionamento. Fiz outras entrevistas com ele. Em quase todas, Collares repetia um versinho de sua autoria, e é sobre isso que quero falar, para fazer uma relação com o que ocorre hoje.
Mas acabou o espaço. Amanhã continuo a história.
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