quinta-feira, 23 de junho de 2016



23 de junho de 2016 | N° 18563 
DAVID COIMBRA

A felicidade dos bichos


Se tem bicho que é feliz é o esquilo. Eu, brasileiro que sou, nunca dei bola para o esquilo. Para mim, o que havia era o esquilo do Zaffari e o Tico e o Teco. Nem lembrava de ter visto um esquilo ao vivo, em pelo e dentes, antes de me mudar para cá. Mas agora entendo por que os americanos volta e meia colocam esquilo em filme, em desenho, na literatura. É que há esquilo por toda parte aqui.

E, como disse, trata-se de um bicho feliz.

A vaca não é feliz. Vaca é criada para virar bife ou para dar leite. O porco: feijoada, toucinho, linguiça, bacon. A galinha, coitada, tenta reproduzir e não consegue. Tiram-lhe os filhotes ainda no ovo e com eles fazem de gemada a scrambles.

O cachorro, todo mundo ama o cachorro, mas o mantém na coleira. E o vira-lata, li na National Geographic que o vira-lata brasileiro é o animal mais inteligente do mundo, excetuando alguns seres humanos. Vira-lata é subproduto da pobreza. País rico não tem vira-lata, só cachorro de madame. Vira-lata sofre. Leva pedrada de guri e precisa fazer aquela cara tristonha para ganhar o osso que sobra do churrasco.

Já o gato, tão independente e senhor de si, se o pegam, castram-no. Dizem que é para o bem dele. Sei.

Agora, não há dúvida de que os bichos mais perseguidos são os mais belos. Era onde queria chegar. O homem quer submeter a beleza. Já criei passarinho em gaiola. Hoje não mais. Hoje tenho pena. Rivellino, o grande Rivellino, o Patada Atômica, mantinha passarinhos em viveiro. Mas Riva pode ser perdoado: ele inventou o drible elástico.

Outro semideus do futebol, Garrincha, era Garrincha, e não Mané, porque a garrincha era um passarinho que ele adorava matar a fundaço. Mas Garrincha era a alegria do povo, também está perdoado.

O que não dá para perdoar é aquele quartel de Manaus ter uma onça acorrentada. Você sabe: a onça foi exposta durante a apresentação da tocha olímpica, tentou fugir, atacou um soldado e acabou sendo executada a tiros.

Por que o Exército tinha que ter aquela onça? Por que ela não estava vivendo no mato, com suas amigas onças?

Parece que ela foi salva quando filhote, foi criada pelos soldados e virou mascote da tropa. Mas não devia. Deviam ter libertado a onça, assim que ela se tornou adolescente e capaz de se defender.

Fiquei triste com essa história da onça, como também tinha ficado com a daquele gorila abatido num zoológico aqui dos Estados Unidos, depois que um menino caiu na jaula.

Tanto quanto de passarinhos na gaiola, gostava de zoológicos, agora não gosto mais.

Nem sabia que havia deixado de gostar, até levar meu filho ao zoológico de Boston, dia desses. É um parque muito limpo, vê-se que lá os animais são bem tratados. Mas, para minha surpresa, o espetáculo daqueles seres nobres em cativeiro fez com que me sentisse mal. Saí de lá achando que tinha algo errado. Conosco, não com eles.

Ou será que estou me tornando frouxo depois de velho?

Não sei. Sei que não posso mais ver bicho em zoológico ou em circo ou dentro de gaiola. Prefiro os bichos soltos, como os esquilos da Nova Inglaterra, ativos a cada verão, introspectivos no inverno, respeitados pelos homens.

Respeito. É isso. Também os bichos merecem respeito.

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