sábado, 25 de junho de 2016



25 de junho de 2016 | N° 18565 
DAVID COIMBRA

O texto que salvou a Europa


Tenho em casa 10 alentados volumes encadernados em couro contando a história da II Guerra Mundial. Autoria: Winston S. Churchill.

Churchill assinava seus livros com o S de Spencer porque havia então outro escritor com o mesmo nome, um romancista americano, que, na época, era bem conhecido.

O Churchill britânico não era ficcionista, mas escrevia melhor do que seu homônimo.

Churchill ganhou o Prêmio Nobel de Literatura por sua obra. Mas isso até foi pouco: ele salvou a Europa com seu texto. Sim, porque foram os discursos de Churchill que inspiraram o povo inglês e o tornaram resiliente o suficiente para resistir ao muito mais poderoso exército do III Reich. Quando Churchill jurou: “We shall never surrender!”, Nós nunca nos renderemos!, começou a ganhar a guerra.

Mas o melhor de Churchill é que ele fez o que fez devido ao poder do seu texto. Ouça seus discursos, há vários no YouTube. Ele fala mal. Não chega a ser uma Dilma, mas não tem impostação alguma, enrola-se nas palavras e, o pior, falta-lhe interpretação.

Hitler era muito melhor orador. Não havia comparação entre um e outro na declamação. Hitler era histriônico, dramático, você lhe assiste discursando e fica hipnotizado. Alguns oradores têm essa capacidade. Se ele estivesse lendo a lista do súper, seria capaz de empolgar as multidões. Churchill, se você parar para ouvi-lo, é capaz de pegar no sono.

Mas também não havia comparação entre um e outro no texto. Li o infame best-seller de Hitler, Mein kampf. É mal escrito, confuso, ruim na forma e no conteúdo.

Churchill, ao contrário, era dono de texto elegante e capaz de criar frases imortais, como a famosa “nunca tantos deveram tanto a tão poucos”, a respeito da atuação da Real Força Aérea na Batalha da Grã-Bretanha, ou de tiradas devastadoras, como aquela na discussão com uma deputada no parlamento inglês. Ela, que o odiava, rosnou:

– Se eu fosse sua mulher, derramaria veneno no seu café.

Churchill, impávido, retorquiu:

– Se a senhora fosse a minha mulher, eu beberia.

Churchill enfrentou o nazismo com a força da palavra escrita. E venceu.

É um herói. É desses que tornam especial a breve existência do ser humano debaixo do sol.

Era um craque. A vida precisa de craques.

Tenho outros, cá para mim, na minha lista de craques da humanidade.

Nelson Mandela.

Estive frente a frente com Mandela, olhei-o nos olhos. Contei essa história, aconteceu em 1991, não vou contar de novo. Podia ter aproveitado melhor o encontro e tirado dele algum ensinamento, mas pelo menos tenho a lembrança particular daquele homem alto, sorridente, de aparência serena.

Mandela, na juventude, foi lutador de boxe e guerrilheiro, manejou bombas, planejou atentados, pregava a violência. Então, foi preso pelo regime racista da África do Sul.

Esse episódio, na história de Mandela, é o que o torna um gigante. Ao prender Mandela a fim de se preservar, o regime do apartheid encontrou seu fim. Na prisão, Mandela se libertou. Viu-se livre de muitas coisas, ao ser preso, mas o principal foi ter compreendido que as pessoas são iguais nos sentimentos. Mandela entendeu que o branco opressor também sentia medo e que a única maneira de derrotá-lo era não lutar contra ele.

Um gênio da política.

Não estou exagerando. Estive na África do Sul e vi. Vi a obra de Mandela. Vi como negros e brancos convenceram-se intelectualmente de que tinham de conviver em harmonia, vi que viram como necessitavam uns dos outros.

Mandela fez como Churchill: com o poder do verbo, mobilizou multidões.

O Brasil dividido de hoje bem poderia haurir do exemplo de Mandela e da África do Sul. Mas ainda não cheguei aonde queria chegar. Continuo na segunda.

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