quinta-feira, 23 de junho de 2016



23 de junho de 2016 | N° 18563 
CARLOS GERBASE

NEWTON OU PTOLOMEU?


Diversos projetos de lei, sempre de autoria de políticos de direita, circulam pelo Brasil tentando impedir os professores de colocar um viés ideológico em suas aulas. Escolhi o termo “viés ideológico”, mas há muitas variantes: “discutir gênero e sexualidade”, “fazer doutrinação” ou “desviar o natural desenvolvimento da personalidade dos alunos”. 

A lista é imensa, o que demonstra a grande criatividade dos legisladores quando o assunto é repressão. A gente fica achando que é tudo piada, que a chance dessas leis serem votadas e colocadas em prática é zero, mas aí elas são aprovadas, e a comédia vira filme de terror.

Alguns políticos querem que os professores deem aula sem expressar qualquer opinião política, porque acham que a grande maioria dos professores é de esquerda e promovem uma “lavagem cerebral” nos estudantes. Querem um ensino “neutro”. Querem um professor que não expresse suas opiniões sobre os problemas do mundo, as possíveis origens desses problemas e o que fazer para enfrentá-los. 

Considerando que toda ciência é um interminável choque de opiniões sobre o que constitui o mundo, por que o mundo é assim e o que podemos fazer para mudá-lo, as leis deverão instituir em que estágio interromperemos a discussão científica. Ptolomeu, Newton ou Einstein? Eu aposto que, numa votação fechada do Congresso, daria Ptolomeu. Aberta, chegaríamos a Newton. Nunca além.

Essas leis ficarão restritas ao ensino público ou atingirão também o privado e suas muitas escolas confessionais? Como todos os professores são iguais perante a lei, creio que será inevitável que os colégios e universidades mantidos há séculos por organizações religiosas proíbam seus professores de falar de Deus. Não há questão ideológica mais decisiva que acreditar ou não num ser superior e discutir a sua natureza. 

Como a natureza do ser superior é maleável, e numa mesma classe podem misturar-se convicções distintas, Deus não entra mais na sala de aula. Sem Deus, sem ideologia, sem ciência e sem arte (melhor acabar também com esse velho reduto da esquerda), poderemos acabar finalmente com a própria escola e seus professores. Piada? Leiam os projetos de lei. No fundo, é o que eles querem.

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