sábado, 4 de junho de 2016


04 de junho de 2016 | N° 18547 
MARTHA MEDEIROS

Depois que o amor acaba


Depois que o amor acaba, entra em cena a isenção. Agora você pode, enfim, avaliar o que aconteceu por outro ângulo. “Pensando com mais clareza, agora vejo que aquela relação foi a experiência mais fascinante que vivi.” Oi?

Um ano antes, a mulher parecia um trapo encardido, passava chorando pelos cantos, lamentando a má sorte de ter se apaixonado por um Don Juan que só a humilhava e a fazia sofrer, e agora aquela dilaceração toda se transformou na experiência mais fascinante já vivida?

Sim. Qual o espanto?

Depois que o amor acaba, entra em cena a isenção. Você não faz mais parte daquela nhaca. Está desobrigada de administrar revezes, de procurar soluções para impasses, de fazer parte de um jogo maluco de sedução. Não há mais adoração, esperança, ódio, raiva, desapontamento. E não havendo nada, tampouco há interesse em descredibilizar o outro para tentar manter o que resta da própria dignidade. Não há mais risco. Ninguém mais precisa se salvar. Agora você pode, enfim, avaliar o que aconteceu por outro ângulo.

Então, dali de onde ela estava, de uma distância segura do passado, tudo se transfigurou. O amor não era mais analisado pelo o que havia sido, mas pelo o que agora representava.

O que antes era dilacerante virou uma bela experiência anexada ao currículo. O que antes era gigantesco foi reduzido a um tamanho médio. O que antes era definitivo virou passageiro. O que antes era pra sempre, encontrou um fim sereno.

Dimensionamos nossas emoções de acordo com a força do momento. Acreditamos nas definições que costumamos dar ao que está sendo experimentado, usando com orgulho as palavras “tudo”, “infinito”, “certeza”. Ficamos apalermados pelo vigor da experiência, pelo absoluto das nossas sensações, até que, depois de um longo tempo de crença, perde-se a aposta, o jogo termina e vamos para outra mesa do cassino, onde tudo recomeça.

É quando o passado ganha uma nova cara e novos significados. O que era desespero transfigura-se em infantilidade, o que era perturbador torna-se risível, o que era intenso parece frugal. Você acreditou que era personagem de um melodrama, era assim que enxergava a história de dentro. Pulou para fora e agora só vê a parte amena, só a beleza da sua inocência. Aquela não é mais você, aquilo deixou de ser um tour de force, agora você se dá conta de que, quando se está no epicentro de um acontecimento, tudo parece maior do que é.

Estando em meio ao dilúvio, é inevitável sofrer, emocionar-se, dilacerar-se, abraçar todos os sentimentos inerentes àquele mergulho: não há como antecipar o amanhã, só existe a asfixia do hoje. O consolo é lembrar que é só uma questão de tempo para tudo acabar num leve e agradecido “valeu!”.

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