01 de junho de 2016 | N° 18540
CAPA
Energia é o que nos permite transformar. transformação é uma necessidade urgente para nossa infraestrutura energética.
O futuro da energia no Brasil e no mundo está traçado em relatórios internacionais, pesquisas acadêmicas e planos estratégicos. Otimistas e catastróficos projetam cenários que se encontram: ampliaremos o uso de fontes limpas e diversificaremos as fontes de que dependemos. Mas as novidades no horizonte não chegam a redefinir a paisagem. No planeta cada vez mais urbano, os novos citadinos buscarão os padrões de consumo ocidentais. Haja combustível para levar essa locomotiva adiante.
Gigantes emergentes como a China investem pesado em fontes renováveis, mas é no tripé carvão, óleo e gás que se apoiam para mover fábricas, erguer cidades e atender às necessidades dos cidadãos. A Agência Internacional de Energia (IEA) projeta que as fontes fósseis sigam em ascensão – cada vez mais lenta – e correspondam a 75% da matriz energética global em 2040. Ainda que, proporcionalmente, a dependência de combustíveis fósseis tenda a diminuir, o mix energético final fará ainda mais fumaça do que atualmente.
– Enquanto houver óleo barato ou acessível em grande quantidade, com o nível de produção elevado, vamos continuar usando. Hoje há momentos em que o petróleo é mais barato do que a água, com toda a logística para a extração – afirma Gerson Fauth, professor da pós-graduação em Geologia da Unisinos.
A perspectiva de escassez de combustíveis fósseis tem sido ofuscada pela descoberta de novas reservas, como o Pré-Sal brasileiro, e pelo desenvolvimento de tecnologias como o fraturamento hidráulico. Países extraem petróleo e gás de reservatórios outrora inexploráveis, bombeando água, areia e produtos químicos para fraturar a rocha no subterrâneo e liberar a guloseima energética.
A exploração dessas jazidas alternativas fez dos Estados Unidos o maior produtor de óleo e gás do mundo e ajudou a derrubar os preços das commodities. Menos poluente dos combustíveis fósseis, o gás abundante permitiu que os EUA regredissem ao patamar de emissões de 1998. No entanto, as fontes alternativas são, como o nome sugere, um território menos familiar e seguro. Teme-se que a disseminação do fracking aumente os riscos de contaminação de águas subterrâneas e até de terremotos, como alguns estudos da tecnologia já alertaram.
Sujos mais limpos
Transformar a infraestrutura energética é um processo custoso e demorado. Segundo o Painel Intergovernamental sobre Mudanças Climáticas da ONU, insistir na prevalência de fósseis em 2050 trará consequências desastrosas e permanentes. Ciente de que o aquecimento global não está preocupado com nossas dificuldades de transição, a indústria busca processos mais eficientes, seguros e limpos de geração. Se é para construir hidrelétricas, que sejam menores, sem grandes reservatórios. Se teremos novas plantas nucleares, que empreguem reatores mais seguros.
– Já que temos de usar petróleo, carvão e gás e lançar CO2 na atmosfera, que façamos da melhor forma possível, com equipamentos que aproveitem o máximo de energia destes combustíveis – define Maria Luiza Indrusiak.
O carvão deve responder por, pelo menos, 30% da matriz energética global em 2040. Será uma fonte importante na África Subsaariana, ávida por energia e com grandes reservas do combustível. Aposta-se no chamado “carvão limpo” para mitigar os danos do combustível, com processos como filtragem de partículas e neutralização de gases causadores da chuva ácida.
– O gás que temos mais dificuldade de retirar do processo é o CO2. Fazer a filtragem e separar o CO2 ainda é muito caro, mas tem muita gente trabalhando nisso e muitos avanços a serem feitos – afirma Maria Luiza.
O Brasil, mais pela abundância hídrica do que por consciência ambiental, tem nas hidrelétricas sua maior fonte de eletricidade. Mas deve aumentar a participação das térmicas a diesel, carvão e gás natural – além de ter uma nova usina nuclear, Angra 3, programada para inauguração até o final da década.
– O país está num processo de mudança do paradigma do setor elétrico. Pelas questões ambientais, passou-se a usinas hidrelétricas sem reservatório, que geram energia no período úmido. Estamos precisando de segurança de suprimento para o período seco – justifica o economista Nivalde de Castro, coordenador do Grupo de Estudos do Setor Elétrico da UFRJ.
O aumento da participação das térmicas é uma medida de segurança, já que as usinas podem responder rapidamente a sobrecargas e às intermitências de outras fontes. Mas o movimento faz parte de uma tendência maior: a diversificação da matriz.
– Não dá para ficar dependente de uma fonte só. O Brasil tinha muita dependência, e ainda tem, da hidrelétrica, que ficou bem evidente na crise hídrica no Sudeste (em 2014 e 2015) – lembra o professor da UFRGS Arno Krenzinger.
A parte mais significativa da diversificação será cumprida pelas energias renováveis, mantendo a matriz brasileira entre as mais limpas do mundo – atualmente, 42% dela é renovável, enquanto a média global é de 22%. Mas o planeta é um só. A forma como enfrentaremos a transição do modelo que, em dois séculos, nos trouxe ao cume da montanha e à beira do precipício, dirá se o destino é a queda ou o voo.
O futuro é elétrico
O americano Mark Jacobson está determinado a derrubar a tese de que o mundo não está pronto para abrir mão dos fósseis.
– Até 2030, podemos ter transformado 80% da matriz em renovável. Acredito que, em 2050, seremos 100% movidos a água, sol e vento em todos os setores, e combustíveis fósseis só serão utilizados em certos materiais, não para energia – projeta.
O diretor do Programa de Atmosfera e Energia da Universidade de Stanford, na Califórnia, notabilizou-se, em 2000, por demonstrar que a fuligem emitida pela queima de carvão, madeira e diesel era o segundo principal causador do aquecimento global, depois do dióxido de carbono. No ano passado, Jacobson voltou à cena com The Solution Project (“o projeto da solução”, em tradução livre). A partir de modelos computacionais, e baseada apenas em tecnologias já existentes para geração de energia solar, eólica, hidrelétrica e geotérmica, a equipe de Jacobson elaborou planos para 139 países do mundo tornarem-se 100% limpos em 2050.
– Muito dessa conversão requer a eletrificação de processos que hoje dependem de fontes fósseis – explica Mary Cameron, pesquisadora do grupo de Jacobson. – Carros elétricos reduzem a demanda de energia em dois terços, porque motores elétricos são muito mais eficientes do que os a combustão. Como o “combustível” para gerar energia eólica, solar e hidráulica é grátis, economiza-se dinheiro, apesar do custo inicial da nova infraestrutura – conclui.
Investimentos em eficiência serão fundamentais. No Brasil, as grandes hidrelétricas estão distantes dos centros urbanos, e chega-se a perder 15% da eletricidade entre a geração, a transmissão por redes quilométricas e o consumo final. O modelo de Jacobson está em sintonia com o que projeta a Empresa de Pesquisa Energética (EPE): aposta na geração distribuída, com aerogeradores e placas solares. A EPE estima que, em 2050, as residências brasileiras gerem, a partir do Sol, 13% da energia que consomem.
– A ideia de geração distribuída encontrava resistência porque, se queimasse carvão dentro da cidade, teria muita emissão de gases, problemas de saúde. Com o advento da solar e da eólica, começa a surgir uma segunda fonte de energia. Tem a das centrais, que vai por linhas de transmissão, e vai ter a gerada na própria cidade – explica Arno Krenzinger.
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