sábado, 11 de junho de 2016



11 de junho de 2016 | N° 18553 
DIANA CORSO

PREDESTINADOS,SÓ QUE NÃO

Quando pequena, perdia horas imaginando onde estaria naquele momento o menino com quem um dia eu iria me casar. Eu tinha certeza de que ele existia e, embora estivesse ainda em lugar desconhecido, sua vida rumava para a minha, era uma questão de tempo. Mas, e se o destino não nos tivesse proporcionado um encontro? É incômodo pensar o quanto um amor depende do acaso para surgir. 

É quase sinistro ficar ponderando sobre a casualidade, esse caráter aleatório onde qualquer variável mínima poderia ter alterado o cenário. Aqueles que passaram a viver um para o outro talvez nunca tivessem cruzado seus caminhos e estariam envolvidos com outras pessoas, tecendo com elas outras histórias. Chegamos até a ter verdadeiro ciúmes dos destinos alternativos que nossos amados não chegaram a viver.

É triste constatar que o roteiro da paixão tem seus protagonistas escolhidos ao mero acaso. Recobrimos o aleatório com a ilusão da predestinação, emprestamos um caráter solene ao trivial. Retroativamente, é arrepiante pensar que somos fruto de um amor que, por um triz, poderia não ter existido – nem nós.

A predestinação é uma das mais fortes ilusões românticas, acompanhada da exigência de sentir o encaixe absoluto que torne inquestionável a fusão de um casal. Para tanto existe o ditado: casamento e mortalha, no céu se talha. A expressão revela outro aspecto de nossas fantasias, tão atraente que cola até nos mais incrédulos. Trata-se de uma piscadela otimista para o destino, do qual costumamos esperar más notícias como doenças, mortes, acidentes, falências ou colapsos sociais e climáticos. Neste caso, o acaso, mensageiro do destino, poderia trazer-nos a melhor notícia de todas: há alguém especial para nós, alguém cuja vida encaminha-se para unir-se com a nossa, para fazer-nos felizes para sempre.

Com base nisso, julgamos nossas escolhas de parceiros amorosos como se houvesse “pessoas certas” ou “pessoas erradas”, sendo os fracassos atribuídos a esses equívocos, como se houvéssemos falhado numa seleção que já tinha um candidato natural. Porém, um encontro nunca é errado, pode até ser ruim, mas sempre tem suas razões de ser. Ele depende do desejo dos envolvidos, quando se elegem para percorrer juntos algum trajeto é porque, naquele momento e lugar, vieram a calhar um para o outro. Infelizmente, por vezes somos movidos a desejar pessoas ou situações que nos fazem sofrer, mas serão sempre reveladoras de algo que sem saber estamos tramando para nós mesmos. Confundimos nossos mistérios com o destino.

As fantasias românticas, como a predestinação, costumam contribuir para muitas falências amorosas. Ao invés de construir uma relação, apenas espera-se que ela funcione por si, afinal, forças superiores influenciaram esse encontro. Ao relacionamento caberia confirmar a sintonia, crescer em ritmo constante, como bem cabe às duas metades da laranja. 

O problema é que a única parceira que realmente encaixa totalmente conosco é a da nossa fantasia, enquanto o ser amado insiste em não ser idêntico a ela. Passados os primeiros arroubos, a jornada dos casais apresenta os inevitáveis desencontros inaugurais. Estes costumam ser até mais duros do que conflitos posteriores, pois são um choque frente às grandes expectativas das ilusões românticas que estão sendo vividas dentro de uma paixão.

Como ousa, essa pessoa que me foi predestinada a fazer ou pensar coisas que não me têm como centro? Como ousa tomar caminhos que divergem das minhas formas de ser? As reações são de mágoa, por descobrir-nos inevitavelmente sós. Na adolescência, afastamo-nos da família cheios de ressentimentos e esperamos do amor a confirmação de que, em algum lugar, existe alguém que reconhece plenamente nosso valor e imparidade! Só que isso novamente não ocorre. Carregamos um buraco, um fio solto, uma solidão, dos quais passaremos a vida exigindo ser curados, absolvidos, poupados. Pobre amor, seu único destino infalível é ser vítima desse fardo, o resto é acaso.

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