terça-feira, 14 de junho de 2016



14 de junho de 2016 | N° 18555 
CARPINEJAR

Nostalgia da Capital

Não existe mais a nostalgia da Capital. Com a web e a globalização, as cidades do Interior não ficam atrás em serviços.

Mas houve um tempo em que Porto Alegre era longe demais, grande demais, cara demais, inacessível para os nossos colonos e peões. Filhos vinham da fronteira e da colônia estudar na Capital e mandavam cartas para os seus pais contando das modernidades como escada rolante e elevador panorâmico. Os velhos reagiam com incredulidade diante dos avanços tecnológicos, pediam explicações do funcionamento para depois jurar que nunca pisariam nessas geringonças.

O vaivém familiar mantinha a sua graça folclórica. Quando os pais decidiam fiscalizar onde o filho morava e como vivia e avisavam de supetão que compraram passagens de ônibus e que chegariam no sábado, criava-se um pânico, evidentemente que o jovem exagerava o seu bem-estar. Precisava maquiar a realidade imediatamente. 

Morava numa pensão no Centro com outros dois colegas maconheiros, com visitas frequentes da namorada tatuada, num cortiço caindo aos pedaços e sem estrutura nenhuma. O papel higiênico acabava sendo questão de sorte no banheiro coletivo. Não parecia com a “casa de família ordeira e de horários rígidos” descrita na correspondência. Tinha que aproveitar algumas horas da véspera das aulas da universidade para impor uma faxina, esconder os cigarros e os cascos de cerveja.

Que medo da incerta dos pais. Se não agradasse à família, corria o risco de perder a mesada e ser obrigado a trabalhar na lavoura. Expiraria o sonho de estudar e de levar o final de semana na completa gandaia.

A visita significava uma punição pela ausência de viagens à terra natal. Filho que demorava mais de três meses para aparecer levava o tranco da vistoria. O melhor sempre consistia em se prevenir e surgir na residência interiorana antes do pior. Assinar a lista de chamada no café da manhã uma vez por mês.

Constrangedor era abrir a mochila no ônibus, de volta à Capital, para ver o que estava fedendo e descobrir salame, queijo, goiabada, geleia e pão embrulhados em papel-jornal. Uma verdadeira cesta colonial que os pais traficavam nos pertences dos filhos para que eles jamais passassem fome.

A vergonha é uma espécie estranha de saudade.

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