sábado, 11 de junho de 2016


11 de junho de 2016 | N° 18553 
DAVID COIMBRA

O que o populismo fez com o futebol

É um Lego, uma peça engatada na outra, formando uma lógica irrecorrível.

Repare: Pelé, que na juventude foi o redentor do futebol brasileiro, na maturidade foi seu algoz.

Ronaldinho, o último craque do Brasil, foi mesmo o último: foi o marco do fim.

Sim, porque o futebol brasileiro começou a terminar em 2001, quando Ronaldinho se evadiu do Grêmio para o PSG. Era o primeiro jogador a se valer da nefanda Lei Pelé, a lei que desprotegeu os clubes brasileiros e abriu o mercado para os piratas europeus.

Na época, eu era editor de Esportes da Zero Hora. Debatia a respeito com meus colegas. Íamos para o café da Redação e terçava armas com o Mário Marcos, com o Moisés Mendes, com o Diogo Olivier. Era só eu no forte, cercado pelos inimigos amigos da Lei Maldita.

Meus amigos se deixaram seduzir pela retórica demagógica de que os jogadores seriam “libertados”. Balela. Libertados foram os clubes ricos da Europa, que agora podiam descer para os trópicos e se abastecer quase de graça de jogadores que ainda ostentavam as acnes da puberdade.

A lógica da matriz explorando a colônia havia sido reproduzida no futebol. Não era mais Portugal atravessando o Mar Tenebroso para encher suas caravelas de pau-brasil, eram espanhóis, ingleses, italianos, franceses e alemães buscando atacantes e meio-campistas no nascedouro das escolinhas.

O Ivan Pinheiro Machado um dia observou:

– Esse Alexandre Pato, me disseram que ele era um Beethoven, e ele é um Zé Ramalho.

A mesma coisa Anderson, o Andershow, do Grêmio. Ambos saíram de Porto Alegre com 17 anos de idade. Pato ganhou corpo, ganhou euros, ficou bonito, namorou a filha de Berlusconi e esqueceu-se de jogar bola. Anderson, de atacante insinuante virou volante desasado.

A Europa os mutilou.

Como mutilou outros tantos. O único jogador de talento diferenciado do Brasil, Neymar, só é quem é porque teve tempo de se desenvolver no Santos.

Não é por acaso que a última conquista importante do futebol brasileiro aconteceu em 2002. Naquele ano havia Ronaldinho, Ronaldo, Rivaldo, Roberto Carlos, Cafu, todos com identificação com os clubes brasileiros. O menos identificado era Ronaldo, mas Ronaldo sempre foi fenômeno.

Hoje, a Seleção tem jogadores desconhecidos do torcedor. Hoje, a Seleção não importa mais a ninguém. E isso é o mais admirável. O plano solerte de liquidação do futebol brasileiro deu errado e certo ao mesmo tempo. Porque os 12 grandes clubes do Brasil, que eram os alvos do ataque, conseguiram se adaptar e sobreviver. Eles possuem anticorpos resilientes: os torcedores, que os amam incondicionalmente, sejam quais forem seus jogadores, sejam quais forem seus dirigentes, sejam quais forem suas conquistas. O centro do futebol brasileiro sempre foi o clube, e não o jogador. Assim, os clubes se reergueram e a grande vítima foi o produto com o qual a CBF mais lucra: a Seleção Brasileira.

Formada por jogadores sem identificação com o torcedor, transformada em mascate da CBF e showroom de jogadores para os clubes europeus, a Seleção Brasileira não desperta mais interesse algum, não comove, não emociona, não mobiliza.

O 7 a 1 para a Alemanha foi o produto final do populismo da Lei Pelé. E, como derradeiro toque de sarcasmo, a tragédia ocorreu numa Copa disputada no Brasil, tocada por um governo populista e corrupto como a CBF.

Nesta semana, quando a Seleção Brasileira repetiu o placar de 7 a 1, só que a favor e contra o time quase amador do Haiti, nesta semana em que a Seleção Brasileira passa pelos Estados Unidos provocando bocejos, pensei: eles conseguiram. Em 15 anos, acabou o futebol brasileiro, acabou a Seleção Brasileira, acabou a política brasileira, acabou tudo.

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