15 de junho de 2016 | N° 18556
FÁBIO PRIKLADNICKI
A MEMÓRIA DO PAI
Um dos aspectos mais estranhos de perder um ente querido é que você continua sonhando com ele como se estivesse vivo. No seu inconsciente, ele tem para sempre a mesma idade de quando morreu. Desde então, você lamenta não ter tido a oportunidade de acompanhar seu envelhecimento, essa etapa da vida que aprendemos a renegar.
Estamos acostumados a compartilhar histórias do crescimento e desenvolvimento dos filhos, e com isso revivemos nossa própria infância. É como se experimentássemos, ao mesmo tempo, três idades: a do presente, a do passado projetado nos filhos e a do futuro vislumbrado na vida dos pais. Mas esta terceira não é suficientemente celebrada. Pelo contrário, a etapa final da vida é uma ideia que preferimos não antever. Será que não podemos aprender com essa experiência assim como aprendemos com os filhos?
Sempre tive medo de ver o pai envelhecer. Olhando para trás, considero um medo bobo. Penso no tanto de coisas que mudaram no mundo desde que ele nos deixou, há quase seis anos. A consolidação das redes sociais (será que estaria no Face?), a crise econômica brasileira e os rumos que tomaram as vidas das outras pessoas da família. O que ele diria de tudo isso?
Algum tempo depois de sua morte, uma vizinha perguntou à minha vó se ela gostaria que um médium transcrevesse uma mensagem póstuma. A vó aceitou e guardou a suposta carta do filho com muita emoção. Recusei-me a ler, mas soube que o tal espírito trazia palavras de louvor a Jesus, o que confirmou minha suspeita de que deveriam ter contratado um médium judeu.
Resta-nos o exercício da memória, como fez o escritor polonês Bruno Schulz, que dedicou boa parte de sua curta e brilhante ficção à vida do pai doente, em registros autobiográficos que transitam entre um realismo mítico e o fantástico. Com a prosa de alta voltagem poética que lhe é característica, Schulz erigiu um monumento literário de excepcional dignidade que se contrapõe à decadência mental e física narrada nos textos.
Schulz teria motivos para evitar pensar no pai. Seu fim foi longo e doloroso e deixou a família em uma situação financeira delicada. Mas, pelo contrário, o escritor tem uma fascinação por aquela figura, a qual descreve com riqueza de detalhes tamanha que você não sabe onde termina a memória e onde começa a imaginação. De certa forma, Schulz fez o que todos gostaríamos de ter feito: uma verdadeira obra que retribui, à altura, o que recebeu do pai. Mesmo que isso nunca nos pareça o suficiente.
Nenhum comentário:
Postar um comentário