segunda-feira, 20 de junho de 2016


20 de junho de 2016 | N° 18560 
DAVID COIMBRA

Há tempo, muito tempo...


Acontece tanta coisa na pátria amada e idolatrada, que o recente vira remoto. Quem aí se lembra dos albores do primeiro governo Dilma? Deu-se na pré-história, não é? E foi igualzinho aos albores do de Temer. Ministros caíam como lágrimas. Estourava uma denúncia contra alguém? Dilma demitia esse alguém, ou o impelia à renúncia rude. Em 40 dias, foram-se uns seis ministros, como pombas despertadas.

Dizia-se, então, que Dilma estava se livrando do rebotalho deixado por Lula. Montara aquele ministério temerário (rimou!) devido aos compromissos espúrios (rimou de novo!) do seu antecessor, mas, agora, depois de eleita, governaria por si própria, moldaria uma equipe à sua feição e não admitiria deslizes ou o tradicional me-dá-cá-aquele-cargo. Dilma chegou a ser elogiada pela revista Veja, imagine...

Mas foram tantas as denúncias, tantos os dissabores, que Dilma se conformou. Era assim mesmo, paciência. No fim, às vésperas do impeachment, nada menos do que 22 ministros enfrentavam algum tipo de problema com a Justiça. Dava para fazer um jogo de futebol.

Não esperava de Temer algo muito diferente, até porque Temer não é muito diferente. O governo Temer é uma costela arrancada do flanco do governo Dilma. Os que estão lá agora estavam lá antes.

O que esperava de Temer era que fizesse jus ao nome: que temesse ocorrer com ele o que ocorreu com ela.

Qualquer brasileiro mais ou menos ilustrado sabe que, hoje, um governante que quiser ter paz tem de se afastar de quem está próximo da Operação Lava-Jato. Ou seja: o político não precisa ser íntegro, nem ser melhor do que os outros; o político, tão somente, precisa respeitar os avisos do medo.

Eis um sentimento que salva o ser humano de dificuldades. Você sente medo, se previne e saboreia a doce monotonia de uma existência sem sobressaltos.

O medo, se não é excessivo, não é covardia: é sabedoria.

E Temer, se você olhar para ele, o que verá? Em tudo, um homem cauteloso. Um homem que estuda cada passo. Em outras palavras: um homem que sente medo.

Como, então, Temer não sentiu medo de se cercar de políticos envolvidos na Lava-Jato, uma operação que não faz considerações aos poderosos, algo inédito desde que Caminha disse ao rei que as índias, assim nuas, não pareciam mal?

Não posso acreditar que Temer não compreenda o momento do Brasil.

Não. É algo mais grave.

Algo assustador: o comprometimento é maior do que a ameaça.

Foi o que, talvez, tenha feito Dilma desanimar e deixar que tudo acontecesse como sempre aconteceu.

Trata-se de notícia terrível para o Brasil: formou-se uma rede tão interdependente de favorecimentos, que não há tesoura afiada o suficiente para rompê-la. O governante necessita do pedaço podre, ou não terá pedaço algum.

Qual é a solução?

Desconfio que não exista solução. Os governos, no Brasil, serão sempre degenerados, porque o sistema é degenerado. O que se pode fazer é amenizar a dor. Dar menos poderes à União, dar menos recursos, menos cargos, menos possibilidades. Se eles nem medo sentem, que não se sintam importantes. Se todos os governos serão ruins, quanto menos puderem exercer sua ruindade, melhor.

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