sábado, 18 de junho de 2016



18 de junho de 2016 | N° 18559 
DAVID COIMBRA

Abrigo com mocassim sem meias

Luxemburgo foi o primeiro técnico de terno do futebol brasileiro. Antes, os treinadores vestiam abrigo ou umas camisas de manga curta que certamente mereceriam enérgica censura do costureiro Ruy.

O Foguinho, lá nos anos 1950, tinha um pulôver da sorte. Metia-se naquele pulôver e o Grêmio ganhava. Podia fazer um calor do Tocantins, ele botava o pulôver durante os jogos. Um dia, toda a delegação estava dentro do ônibus, já na estrada para ir jogar fora da cidade, e o Foguinho deu um tapa na testa: – Meu pulôver!

Os jogadores fizeram o ônibus dar a volta e rodar até a Senhor dos Passos, onde o Foguinho morava e onde lhe esperava sua mulher, dona Joana, com o pulôver na mão: – Ó. Foguinho saiu de casa devidamente paramentado. O Grêmio ganhou.

Luxemburgo, aquela elegância dele era calculada. Ele queria ser o treinador do futuro do Brasil e, de certa forma, foi. Hoje, um futuro do pretérito, porque seu tempo já passou.

Luxemburgo montou a primeira comissão técnica “científica”, digamos assim, com psicóloga e tudo. Eram 20 profissionais a assisti-lo, quem o contratasse haveria de levá-los junto.

Luxemburgo prestava atenção a cada pormenor. Uma vez, a Seleção trabalhava em São Paulo, no CT do Palmeiras, e Luxemburgo, de repente, soprou o apito que mantinha entre os dentes e parou o treino. Furioso, chamou os seguranças. Dois ou três homens de preto correram até o meio do campo. Ele apontou para cima, para as arquibancadas. Nós olhamos também, sem entender nada do que estava acontecendo. Os seguranças voaram até o local indicado por Luxemburgo e lá encontraram um espião argentino. Tiraram o sujeito do lugar pelo braço.

Vi o Luxemburgo fazer isso mais umas duas vezes. Como é que reconhecia espiões assim, só de olhar de longe, é algo que nunca descobri. Perguntei-lhe, certa feita, e ele desconversou: – Ah, eu conheço... Devia trabalhar na CIA.

Luxemburgo preocupava-se até com questões morfológicas. O nome dele é Vanderlei, mas, por algum motivo, decidiu trocar primeiro para Vanderley e depois para Wanderley. Não sei como está agora.

Será que se diz Uanderlei, como Uianei Carlê? Seja.

De qualquer forma, penso que é de fundamental relevância contar que, certa feita, em Foz do Iguaçu, vi Luxemburgo descer ao saguão do hotel da Seleção vestido de abrigo e mocassim sem meias. Considerei de gosto duvidoso, mas tenho de perguntar a respeito para o costureiro Ruy.

Mas o que queria dizer é que Luxemburgo foi um técnico que se preparou toda a vida para comandar a Seleção. Até suas entrevistas eram premeditadas. Ele tinha uma técnica, fruto de ensaio com assessores: começava uma entrevista coletiva demonstrando bom humor, mas, na segunda ou terceira pergunta, desferia uma resposta agressiva, batendo pessoalmente no repórter com um golpe de verbo pontudo. O ambiente ficava tenso. Aí, na resposta seguinte, ele fazia uma brincadeira. Todo mundo relaxava e ele se assenhorava da situação.

Foi um técnico criterioso. Perdeu-se por fatores externos, mas, acredite, era o melhor para a Seleção Brasileira. A saída de Luxemburgo da Seleção o perturbou e meio que interrompeu sua carreira sempre ascendente. Ele e Luiz Felipe foram os grandes treinadores do Brasil nos anos 1990. Ambos conhecem futebol a fundo, sabem o que fazem e tinham muita concentração no trabalho. Foi essa concentração que, de alguma maneira, eles perderam, com o passar do tempo. Natural. É cansativo ficar sempre concentrado.

Técnicos como Luxemburgo e Luiz Felipe mudaram o futebol brasileiro para sempre. Tenho muito a escrever sobre os técnicos. Mas um ministro está caindo ali em Brasília. Ministros caem como goiabas, no Brasil. Deixemos os técnicos para depois.

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