segunda-feira, 20 de junho de 2016



20 de junho de 2016 | N° 18560 
L. F. VERISSIMO

Saudade do sonante


Não se veem mais patacas e dobrões, a não ser em filme de pirata. Não se veem mais moedas de encher algibeiras e baús e pesar no bolso. Não se veem mais moedas sonantes e ressonantes, que fazem tim-tim. Saudade do tim-tim.

Uma vez fui investigar a origem da expressão “tim-tim por tim-tim” e não encontrei nenhuma raiz grega ou tupi-guarani. “Tim” era apenas a reprodução onomatopeica do barulho que fazia uma moeda batendo na outra. O som de metal contra metal.

Pagar alguém era colocar moedas na sua mão, e o ruído de um metal sobre o outro – tim, tim, tim, tim – era o registro de uma transação bem saldada, de algo trocado pelo seu valor em ouro ou prata, com todos os tins devidos. As moedas não representavam outra coisa, moedas eram dinheiro que soava como dinheiro.

Depois veio o papel-moeda, que tecnicamente não é dinheiro, é uma vaga promessa de algum dia se transformar em dinheiro. E começamos nosso afastamento do tim-tim. Culminando com as vastas somas virtuais que hoje cruzam os céus de computador para computador, em silêncio. Ganhamos o dinheiro asséptico, intocado por mãos humanas, mas perdemos a onomatopeia.

Trustes na Suíça não fazem tim-tim. Os bilhões pagos em propinas ou para ganhar privilégios, licitações ou eleições, não fazem tim-tim.

O mais distante que você pode chegar do tim-tim é o cartão de crédito. Nada numa transação com cartão de crédito evoca um sonoro pagamento com patacões. O cartão de crédito substitui o papel-moeda, que por sua vez é uma representação da moeda mesmo, e assim é quase a sombra de uma sombra. E sombras não fazem barulho. Ouve-se apenas o “suish” do cartão sendo passado na maquininha.

Não surpreende que, na falta do tim-tim, as pessoas se esqueçam de que o cartão de crédito também não é dinheiro, é uma promessa de pagamento, uma presunção de que haverá ouro para cobri-lo. E se o pressuposto pagador não é nem quem usou o cartão, é a firma, o governo, o Tesouro Nacional ou qualquer outra entidade tão remota, que parece etérea, compreendem-se os abusos. Faltou autocontrole diante da tentação, faltaram supervisão e regras claras, faltou inteligência. Mas, antes de mais nada, faltou o tim-tim.

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