15 de junho de 2016 | N° 18556
DAVID COIMBRA
Meu amigo gay
Um dos homens mais machos que conheci era gay. Já morreu, não faz muito. Não vou revelar-lhe o nome porque ele nunca fez alarde de sua sexualidade, talvez não gostasse da exposição, mas todos que o conheceram sabem de quem estou falando. Foi um dos melhores editores de jornal que conheci e um amigo leal aos seus amigos.
Quando o defino como “macho” é porque era mesmo. Do tipo durão. Falava grosso e não admitia frescura. Um dia, pegou um texto meu, brandiu a lauda na Redação e gritou:
– Olha só a veadagem que o David escreveu!
E leu em voz alta, para gargalhada geral.
Naquele tempo, não existia isso de assédio moral e ninguém ia chorar no banheiro por causa da censura do chefe. O repórter aprendia na porrada.
As antigas redações de jornal eram politicamente incorretas no discurso e politicamente corretas na prática. Se a brincadeira não virasse perseguição, era considerada o que era: brincadeira. Mas não lembro de casos de discriminação.
Claro, estou generalizando. Só se pode falar do geral, generalizando.
Penso muito nesse meu amigo, sinto falta dele, porque ele fazia análises percucientes do que acontecia no mundo e do que eu escrevia. Era um bom crítico, e bons críticos fazem falta. Pensei nele especialmente depois do atentado de Orlando, em que um fanático matou 49 pessoas numa boate gay.
O assassino viajou 200 quilômetros para cometer o crime. Sabe-se agora que era frequentador da boate, e sua ex-mulher afirmou que ele tinha “tendências homossexuais”.
Há muita lógica nisso. É até uma regra: quem sente ódio de gay é gay. Repare na história desse rapaz: ele era muçulmano e achava que a homossexualidade é pecado. O pai dele deu, sem querer, uma boa pista das razões do crime.
– Não sei de onde veio tanto ódio – observou o pai, dizendo, em seguida, de onde veio tanto ódio, ao emendar: – Só Deus pode punir a homossexualidade.
Aí está. A homossexualidade, para eles, é um pecado. O filho sentia desejo homossexual. Logo, sentia-se pecador. Era uma contradição insuportável, uma violenta ruptura da sua personalidade. O que ele acreditava e o que ele sentia estavam em confronto. Ele não queria ser aquilo, mas não resistia. Passou, então, a odiar o que o corrompia. Passou a odiar o que, pela sua crença, o transformava em um ser vil e menor.
Essa é a essência da homofobia. O horror de ser aquilo que você não aceita ser.
Por que, afinal, qual é o mal que fazem duas pessoas que se amam ou se desejam? Por que o relacionamento íntimo entre dois seres humanos incomoda um terceiro?
É o medo. O medo é a estrutura óssea do ódio.
Sei exatamente o que meu amigo diria sobre esse assassino de Orlando. Com sua voz grave e seus modos de sargentão, ele desdenharia:
– Isso é coisa de bicha! Com toda a razão. Porque homem que é homem não sente raiva de gay. Homem que é homem respeita as outras pessoas. Homem que é homem pode até ser gay, sem deixar de ser macho.
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