18 de junho de 2016 | N° 18559
CARPINEJAR
Alma coletiva
Você pode estar julgando o outro por aquilo que você é. Você perdoa o outro por aquilo que deseja obter, a qualquer custo e não enxerga os contrastes e as diferenças gritantes das personalidades.
Você pensa pelos dois, ama pelos dois, suporta tudo pelos dois.
Acha natural que a sua felicidade será a felicidade de quem ama. Confia piamente na simbiose, na fusão, na complementaridade automática. Entretanto, os seus prazeres e sofrimentos são totalmente imaginários. Nada que crê costuma ser partilhado na prática. Na realidade, amarga um isolamento, amortizado pela ficção romântica.
Não contabiliza as provas objetivamente. Os fatos são contaminados pelas impressões e fantasias pessoais. A ânsia de agradar e a facilidade para encontrar a alegria nas pequenas coisas impedem que tenha discernimento e separe os desejos de cada um.
Você raciocina como casal, porém aquele com quem divide a vida raciocina como solteiro. Você festeja todo ato a dois, como raspar brigadeiro na panela e se agarrar debaixo das cobertas para espantar o frio, diferentemente de seu namorado, completamente imerso em seus interesses.
Jura que vem sendo correspondida porque não cogita a hipótese do ilhamento em suas vontades.
Aproveita o pouco do romance como muito (o importante é a cumplicidade), já quem você namora somente enxerga como esmola (o importante é não ser incomodado).
Compra orquídeas para embelezar a mesa da sala – o espaço precisava mesmo de flor – e a companhia só acredita que gastou dinheiro à toa. Convida ao cinema sob o pretexto divertido de disputar as mãos no saco de pipoca e a companhia só queria ficar no sofá mexendo nas redes sociais.
Organiza um almoço familiar, cozinha e prepara uma torta com paciência de uma manhã inteira, e a companhia só queria beber com os amigos e ouvir pagode.
Prepara um final de semana idílico na serra, com hospedagem paga e banheira de hidromassagem, e a companhia só queria dormir até o meio-dia.
Em nenhum momento, duvida de que alguém pode não gostar de amar. Mas casar é vocação para pouquíssimos de alma coletiva. É trocar o egoísmo pela gentileza, é renunciar o conforto pela generosidade. É nascer a dois, no ventre do coração, independentemente do que diz a certidão de nascimento.
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