quinta-feira, 16 de junho de 2016



16 de junho de 2016 | N° 18557 
DAVID COIMBRA

Está chovendo na roseira

Os filmes de Sergio Leone não são filmes, são óperas. Assista a Era uma vez no Oeste ou Era uma vez na América ou O bom, o mau e o feio e você perceberá que a música também conta as histórias que Leone quer contar.

O autor desses temas é o maestro Ennio Morricone, que ganhou o Oscar pela música de Os oito odiados, de Tarantino.

Esse filme, Os oito odiados, é uma homenagem de Tarantino a Leone e Morricone. Tarantino bebe da obra de Leone até se fartar. O Augusto da Silveira é como Leone, Tarantino e Morricone.

O Augusto da Silveira faz a operação de áudio do Timeline, da Gaúcha. E, exatamente como Leone, Tarantino e Morricone, conta histórias sem falar. Fica atento a cada segundo do programa e, manejando seus botões com a velocidade e a precisão de um Messi, ilustra o que está sendo dito ou pontua o clima da nossa conversa.

Vez em quando, se o assunto é ameno como esses dias de fim de primavera no Norte, o Augusto bota para rodar o instrumental de Chovendo na roseira, de Tom Jobim. É um momento especial.

A melodia de Chovendo na roseira, por si, já faz o ouvinte sentir-se com os pés na areia quente da praia, de frente para o mar que rumoreja e vai e vem e vai e vem...

Afinal, assim é a Bossa Nova. Mas a letra de Chovendo na roseira tem uma mágica suavemente genial, que é a mágica da simplicidade. Em meio ao poema, Tom conta que um tico-tico, que mora ao lado da roseira, adivinhou a primavera ao passear no molhado da chuva.

Passarinhos têm essa propriedade de antever a mudança dos dias. Agora, o melhor da canção é o mote da canção. Tom diz: “Olha: está chovendo na roseira”.

Ele estava chamando a atenção de alguém para algo que julgou importante, ou não chamaria a atenção. Todas as vezes em que chovia, devia chover na roseira, algum outro poderia considerar a cena um evento comezinho, coisa banal, para a qual não se olha duas vezes. Mas não Tom. Tom se maravilhava ao ver os pingos de chuva reluzindo nas pétalas das rosas, aquilo devia extasiá-lo de tal maneira, que era preciso dividir a experiência. Então, ele apontou para um canto do quintal e avisou:

– Olha, está chovendo na roseira.

E a outra pessoa, o amigo de Tom, ou sua namorada, ou sua mulher, ou um vizinho, sabe-se lá, a outra pessoa provavelmente deve ter obedecido. Olhou para onde Tom apontava, e lá estava a roseira molhada da chuva. Algo tão comum, algo que se repete tanto e tanto, mas quem há de fazer igual? E a outra pessoa decerto sorriu, sim, é claro que sorriu. Porque, se é encantador quando chove na roseira, mais ainda o é quando um homem se deixa encantar porque está chovendo na roseira.

Nenhum comentário: