quinta-feira, 2 de junho de 2016



02 de junho de 2016 | N° 18541
O PRAZER DAS PALAVRAS | Cláudio Moreno

Pindorama


ESTE DEVE SER mais um daqueles casos em que um vocábulo elíptico define a concordância de gênero

Quem acompanha esta coluna já deve ter percebido que respondo às perguntas no mesmo tom em que são feitas. Isso também vale para as críticas que recebo: sou lhano com quem é polido, duro com quem me destrata - e me divirto muito com os oblíquos e sinuosos, que têm a habilidade de me criticar como quem não quer a coisa. Acho que posso incluir neste grupo o leitor Plínio R., catarinense de Joaçaba, que me parece um sonso de quatro costados: “Grande mestre! 

No terceiro volume de O Prazer das Palavras, da L&PM, o senhor explica que não empregamos o termo morgue, como os portugueses, mas sim necrotério, porque é uma criação genuinamente brasileira, nascida aqui, “na própria Pindorama”. Procurei no Houaiss e em outros dicionários e vi que todos registram Pindorama como masculino; só posso concluir, portanto, que o senhor emprega a palavra no feminino por algum motivo que desconheço. Seria influência do tupi?”.

Meu caro Plínio, confesso que nunca tinha visto Pindorama como masculino. Foi tua mensagem que me alertou para o fato de que o Houaiss e o Aurélio registram esse gênero para o vocábulo – o que é absoluta novidade para mim. Mas vamos por partes. Seria influência do tupi? A resposta é um não redondo. Posso estar enganado, mas esta palavra é apenas uma criação literária (bonita, diga-se de passagem), que data do final do séc. 19. Embora se diga por toda parte que este era o nome que os aborígines davam ao Brasil, antes da chegada de Cabral, Pindorama não aparece em nenhum texto dos cronistas de nosso período colonial, nem nos poetas do Grupo Mineiro, nem em Gonçalves Dias, Alencar e demais autores indianistas, que certamente teriam feito bom uso do termo, se já o conhecessem.

Agora, por que esta hesitação entre masculino e feminino? Este deve ser mais um daqueles casos em que um vocábulo elíptico define a concordância de gênero. Existe um clube Pindorama? Então vamos AO Pindorama. Existe uma rádio Pindorama? Então sintonizo NA Pindorama. Existe a cidade Pindorama? Então vou morar EM Pindorama”, pois as cidades não são antecedidas de artigo definido. E assim por diante. Sempre usei o feminino. porque nunca imaginei Pindorama como um país, mas como terra (como diz seu costumeiro aposto: “a terra das palmeiras”). Eu e a maioria dos brasileiros, aliás; quem for ao Google, perceberá que, embora tanto o masculino quanto o feminino sejam usados, a preferência nacional é marcadamente pelo feminino.

Como respeito o trabalho de nossos lexicógrafos, vou me acostumar à ideia de que Pindorama também possa ser masculino. Contudo, continuo com a pulga atrás da orelha: mesmo admitindo que esses autores enxerguem um país onde a maioria enxerga uma terra, mesmo assim, atribuir-lhe o gênero masculino continua sendo uma excentricidade morfológica. 

O gênero que nosso idioma atribui a cada país segue um padrão bem regular: são femininos todos aqueles cujo nome termina em -A; são masculinos todos os outros, mais os que terminam em -A tônico (Canadá, Panamá). Só fogem a essa regra o Quênia e o Cambodja; ao que parece, querem juntar a esses dois nossa lendária e romântica Pindorama.

Cláudio Moreno, escritor e professor, escreve quinzenalmente às quintas-feiras.

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