10 de junho de 2016 | N° 18552
DAVID COIMBRA
O que trará o inverno
Dia desses, perguntei para uma amiga de Moscou como é que se pronuncia Dostoiévski em russo. Ela respondeu assim: “Dostoiévski”.
E me cumprimentou por falar russo tão bem.
Disse-lhe que respeito os russos mais por Dostoiévski do que pela Batalha de Stalingrado, e vi que ela ficou ponderando sobre essa observação.
Na terra dela é usual fazer -45ºC no inverno. Mais frio do que aqui, no extremo norte dos Estados Unidos.
– E em Moscou nós não dispomos da estrutura de Boston – acrescentou.
Boston é mesmo uma cidade preparada para o frio. Há máquinas de remover neve da calçada, máquinas de remover neve do meio da rua, máquinas de derreter neve da pista do aeroporto. A neve derretida ou removida é levada para um curioso depósito de neve. Não pode ser despejada no rio ou no mar, porque é água suja.
Neve é coisa bonita, mas trabalhosa. A prefeitura passa o inverno inteiro, longo inverno, em atividade por causa da neve. Às três da madrugada, você pode ouvir o barulho das máquinas trabalhando ao longe. Se não é assim, a cidade para. E as consequências são duras. No inverno do ano passado, o mais rigoroso em 80 anos, houve duas violentas tempestades de neve. O trem deixou de funcionar por um dia e o diretor da companhia foi demitido.
Mesmo assim, sinto menos frio em Boston, com -20ºC, do que em Porto Alegre, com 5ºC. No Brasil, os invernos mais rascantes são enfrentados com a estrutura básica do século 19: cobertores e, quando possível, lareiras.
Nem pode ser diferente. O inverno brasileiro é muito curto. Melhor suportar o frio de alguns dias do que suportar os gastos para vencê-lo. Inverno demorado é para ricos. Os vidros têm de ser duplos, as paredes precisam de revestimento especial e o aquecimento, seja a gás, seja a motor, seja elétrico, é caríssimo. A conta de energia de um apartamento de dois quartos fica entre 30 e 40 dólares no verão e sobe para algo entre 150 e 200 no inverno.
Portanto, resistam, gaúchos!
A vantagem é que o recolhimento invernal pode dar frutos. Na Rússia, o General Inverno não apenas derrotou Napoleão e Hitler como gerou Gogol, Tchekhov, Nabokov, Tolstói e ele, Dostoiévski. Mas Dostoiévski teria sido quem foi se tivesse vivido no Leblon? Não. Se tivesse vivido no Leblon, Dostoiévski teria escrito uma crônica de manhã e passado a tarde entre o futevôlei com Renato Portaluppi e o Jobi com o Admar Barreto.
Frio combina com mocotó e vinho tinto, sim, mas também com literatura. Há exatos 200 anos, o mundo viveu o chamado Ano Sem Verão. Em 1815, ocorreu o evento mais espetacular em 10 milênios de história: o vulcão Tambora entrou em erupção, com a potência de 60 mil bombas atômicas, e, no ato, explodiu uma ilha da Indonésia e matou 100 mil pessoas. As cinzas liberadas formaram uma capa na atmosfera que tapou o sol por mais de um ano, a temperatura desabou, as plantas e os animais morreram, e as pessoas também. Não se sabe quantas foram as vítimas daquela isolada manifestação da natureza. Centenas de milhares, talvez.
Por isso, não houve verão em 1816. Foi um ano soturno, de sentimentos soturnos. Numa casa na Suíça, jovens escritores, sentindo-se soturnos, reuniram-se para beber e escrever. Um deles, Lord Byron, propôs que cada um concebesse uma história de terror. E assim nasceram Frankenstein, da imaginação de Mary Shelley, e o primeiro de todos os vampiros, o pai de Drácula, da imaginação de Polidori.
Clássicos de um ano sem verão. O que será gestado no próximo e temível inverno do sul do Brasil? 2016 poderá ser um ano de glórias. Depende de você.
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