quarta-feira, 5 de novembro de 2008


RUY CASTRO

Paixão pela rebimboca

RIO DE JANEIRO - O presidente Lula disse há tempos que o carro é a "paixão nacional". Palpite infeliz e, no que me concerne, errado. Sou tão brasileiro quanto ele e não tenho nenhuma paixão por carros.

Sempre achei o automóvel uma das desgraças modernas, juntamente com a droga, a televisão, a música alta e o lixo urbano, sendo a violência mero sucedâneo.
Nunca me interessei em aprender a guiar e não acho que tal lacuna me tenha atrapalhado nem por um instante.

Outros não-motoristas que conheço, como Carlinhos Lyra, Aldir Blanc, Elton Medeiros, Sérgio Augusto, João Máximo, ou que conheci, como os falecidos Nelson Rodrigues, Paulo Francis e José Lino Grünewald, também não saberiam distinguir um pára-choque de uma rebimboca da parafuseta. Nem por isso deixaram de construir suas carreiras e seguir em frente.

Por não dirigir, passo a vida em táxis, ônibus, bondes, metrôs, a pé ou no banco do carona -neste último caso, cumprindo as funções de co-piloto.

Do meu ponto de vista, à direita do chofer, tenho observado o crescente estrangulamento das ruas, o mau humor dos motoristas, a ferocidade homicida dos ônibus, a intrepidez suicida dos motoqueiros e a incompreensível indisciplina dos pedestres.

E tudo porque, à nova média de um carro para dois habitantes, nossas cidades estão se tornando intransitáveis. Não era tão ruim há dez anos.

Nem há cinco. Nem há dois. Piorou muito desde que ficou possível a qualquer pessoa comprar um carro de que talvez não precise e pagá-lo em 72 meses -seis anos!-, ao fim dos quais o dito carro já se tornou uma furreca ou foi até passado adiante.

Resta ver, a exemplo dos EUA, como será a quebradeira por aqui quando faltar dinheiro para pagar a "paixão nacional" que milhões de brasileiros compraram a prestação.

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