sexta-feira, 7 de novembro de 2008



NOVA BIBLIOTECA

Um texto sobre uma biblioteca, no meio da Feira do Livro, deve começar citando Borges: a biblioteca não é infinita.

Se realmente fosse, para que essa duplicação? Hoje, a PUCRS inaugura a sua nova biblioteca, 'a mais avançada da América do Sul'. Está maravilhosa. A velha biblioteca, duplicada, multiplicada, transfigurada, surge como uma nova e extraordinária biblioteca.

Não creio que tenha a ver com a descrição feita pelo grande escritor argentino da Biblioteca de Babel, 'um número indefinido, e talvez infinito, de galerias hexagonais'. Tem a ver com uma concepção moderna de ocupação do espaço e de relacionamento entre o usuário e o acervo.

Em 21 mil metros quadrados e 14 pavimentos, repletos de tecnologia, o livro continua a ser rei, no seu espaço sagrado, onde, contudo, o leitor é convidado a ser soberano. Se a biblioteca não é materialmente infinita, o que obriga a ampliações recorrentes, deve ser ilimitada, pois, de certo modo, é um imaginário, o ponto de acesso ao infinito das idéias, das histórias e do conhecimento.

É maravilhoso constatar que na era do virtual ainda se erguem bibliotecas concretas. O acesso, porém, ao catálogo já pode ser realizado à distância.

A biblioteca do presente e do futuro alia o presencial e o virtual, o contato com o papel e a digitalização, as pessoas ocupando salas de convívio e, como internautas, navegando no imaterial em busca de idéias cujos suportes nunca pararam de variar e de perder peso. Borges referiu-se a uma teoria geral da biblioteca.

Citou uma região onde os bibliotecários recusariam a supersticiosa idéia de buscar sentido nos livros.

Quando uma biblioteca, como a da PUCRS, se espicha em busca de espaço e de conforto, abrigando obras raras e documentos preciosos, dotando-se de computadores e de motores de busca para que se possa localizar a informação tão procurada o mais rápido possível, renova-se o desejo de saber, do saber, do sabor.

Sim, uma biblioteca é um labirinto que começa em escadas, elevadores, corredores, passa por estantes e salas, entra nos livros e nunca mais termina. Esse é, certamente, o mistério da palavra escrita e dos livros.

Ao completar 60 anos, a PUCRS presenteia a sua comunidade com uma grande biblioteca.

Como professor da casa e freqüentador encantado dos vãos e desvãos cercados de livros da biblioteca, em busca do que sei e do que nunca saberei totalmente, sinto-me na obrigação de felicitar a universidade. A nova biblioteca está tão boa que chega a ser perigosa.

Cada vez que se entra lá, dá vontade de ficar, folheando um livro aqui, outro ali, vagando de um andar ao outro, pedindo documentos sobre nossa história, aprendendo sem nunca cansar.

De repente, pode acontecer um sumiço, como num conto de Borges, de todos os professores e alunos, abduzidos, não por discos voadores, mas por livros, um a um sumindo como Alice num país de maravilhas. As bibliotecas merecem veneração.

Borges termina a sua narrativa 'A Biblioteca de Babel' de uma maneira evocativa: 'A biblioteca é ilimitada e periódica.

Se um eterno viajante a atravessasse em qualquer direção, comprovaria ao fim dos séculos que os mesmos volumes se repetem na mesma desordem (que, repetida, seria uma ordem: a Ordem).

Minha solidão se alegra com essa elegante esperança'. A minha melancolia se alegra com a elegante esperança de freqüentar por muitos anos a nova biblioteca sabendo que um mesmo livro é sempre outro a cada vez que o abrimos.

juremir@correiodopovo.com.br

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