sábado, 8 de novembro de 2008



09 de novembro de 2008
N° 15784- DAVID COIMBRA


Os diamantes da cidade

Zanzava pelas ramblas de Barcelona, certa feita, e tanto zanzei que precisava tirar a poeira da garganta. Comecei a procurar um bar. Há muitos bares às margens e sobre as ilhas das ramblas. Vi um que me pareceu o tipo de bar em que se pode beber uma cerveja gelada e quem sabe um saboroso prato de tapas.

Entrei. Pedi a cerveja e, oh, eu estava certo. Como é bom engolir três doze avos de um copo de cerveja quando ela está realmente gelada e quando você realmente precisa tirar a poeira da garganta...

Aí vi uns alemães.

Sabia que eram alemães porque eram grandes e vermelhos e loiros e, bem, falavam alemão. Estavam sentados em volta da mesa ao lado e também bebiam cerveja, como devem fazer os alemães. Só que bebiam nos maiores copos que já vi. Copázios corpo 48, do tamanho de vasos de samambaias. Eles bebiam e cantavam em alemão e brindavam e vez em quando exclamavam wolfrembaer com toda a força de seus pulmões germânicos.

Então, um deles fez algo que jamais esquecerei.

Assestou a caneca no queixo e começou a beber. E bebeu e bebeu e bebeu... tudo! Quantos litros havia naquele copão? Muitos. Decerto mais de dois. Talvez três. Ou até quatro. E o alemão bebeu o conteúdo inteiro do coparrão, sem que uma gota lhe respingasse no peito. Ao cabo do que ele ergueu o caneco vazio para o alto, feito um troféu, e gritou:

– Barceloooonaaaa!

Só que com sotaque alemão.

Saí do bar pensando que Barcelona é isso mesmo, uma cidade feita para a festa. “Feita” de verdade. Barcelona foi desenhada para a alegria. Suas ramblas largas como um estádio de futebol, sua orla marítima pontilhada de restaurantes e bares e museus, tudo foi planejado para o encontro das pessoas, para que elas convivam e se divirtam juntas.

Paris também foi planejada para o prazer, mas com um toque menos mundano do que Barcelona. As luzes amareladas, a arquitetura neoclássica ou até gótica, como no caso da Notre-Dame, dão à cidade uma aragem sofisticada. Paris é champanhe; Barcelona é cerveja. E não por acaso, mas por obra do urbanismo. Essas cidades são o que são de caso pensado.

O que é Porto Alegre? Eis a pobreza: Porto Alegre é obra do acaso. Não é uma cidade pensada para se caminhar, como o Rio; nem para o automóvel, como São Paulo. Porto Alegre, há tempo que ninguém pensa em como ela poderia ser.

Há apenas duas obras porto-alegrenses que distinguem a cidade do resto do mundo. E não são obras de pedra. São a Feira do Livro e a Dupla Gre-Nal. A Feira do Livro e a Dupla Gre-Nal são o melhor de Porto Alegre. O porto-alegrense há de preservá-los.

A vida subterrânea

Como qualquer um pode lhe dizer, não sou um homem muito bom. Não sei que palavra usar para me definir. Sempre admirei o vilão, o fora-da-lei, o filho-da-puta. Não gosto dos garotos bem barbeados, com gravatas e bons empregos. Gosto dos homens desesperados, homens com dentes rotos e mentes arruinadas e caminhos perdidos. São os que me interessam. Sempre cheios de surpresas e explosões.

Também gosto de mulheres vis, cadelas bêbadas que não param de reclamar, que usam meias-calças grandes demais e maquiagens borradas.

Estou mais interessado em pervertidos do que em santos. Posso relaxar com os imprestáveis, porque sou um imprestável. Não gosto de leis, morais, religiões, regras. Não gosto de ser moldado pela sociedade.

Uau! O parágrafo acima é uma espécie de declaração de princípios dele, o Velho Buk. Está na abertura do conto “Colhões”, um dos diamantes de “Ao Sul de Lugar Nenhum – histórias da vida subterrânea”, edição L&PM, livro que o degas aqui indica para você, inteligente leitor, nesta Feira do Livro.

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