sábado, 1 de novembro de 2008



02 de novembro de 2008
N° 15777 - VERISSIMO


Ironias

O historiador americano Hayden White diz que toda interpretação histórica é determinada pela linguagem em que é escrita, e que cada um dos maiores filósofos da História (para ele Hegel, Marx, Nietzsche e Benedeto Croce) tinha a sua poética, o seu tropo literário.

O que sugere a fascinante redefinição de ideologias e sistemas de pensamento inteiros como frutos menos de percepções diferentes do que de estilos diferentes de narrativa. Os tipos de linguagem poética que determinariam a abordagem histórica, segundo White, seriam Metáfora, Metonímia, Sinédoque (procure você no dicionário, eu não posso fazer tudo) e Ironia.

Em qualquer área de estudo ainda não reduzida (ou elevada) ao status de uma ciência genuína, o pensamento permanece cativo da forma de linguagem com que se define, escreveu White.

E o legado dos grandes historiadores, ou narradores históricos, do século 19 que teria prevalecido seria o que ele chama de ironic mode.

O século 20 estaria cheio de exemplos para a História como narrativa irônica, mesmo que a ironia nem sempre fosse consciente, e o estilo literário mais apropriado para a história do século 21 – a julgar pelos seus primeiros capítulos – será certamente o da ironia, trágica ou bufa.

Quando Dominique Strauss-Khan, uma das estrelas da esquerda francesa, foi eleito diretor do Fundo Monetário Internacional por indicação do presidente Sakorzy mesmo tendo denunciado o esquema FMI-Banco Mundial como uma armação mal disfarçada do Departamento do Tesouro americano, o jornal parisiense Liberation ironizou na capa: “Finalmente, um socialista eleito”.

Outro que Sarkozy aliciou da esquerda, o respeitado inventor dos Médecins sans Frontières, Bernard Kouchner, seu ministro das Relações Exteriores, declarou-se depois de escolhido favorável não só à guerra no Iraque como a uma ação armada contra o Irã, o que levou a especulações irônicas sobre sua conversão a um Bushismo sem Fronteiras.

Mas se o ironic mode tinha encontrado seu sujeito principal na grande confusão da esquerda mundial, hoje também descreve a perplexidade da direita diante da crise do capitalismo financeiro.

Ninguém menos do que Sarkozy – só para ficar em exemplos franceses – tem sido um dos críticos mais loquazes da desregulação dos mercados e pedido algemas para a mão invisível que impediria o desmoronamento, segundo os liberais, e não impediu.

E pelo andar da crise, ainda veremos muitas conversões parecidas e o ironic mode comandar a narrativa do resto do século.

CALÇÕEZINHOS

Em mil novecentos e qualquer coisa, o Arsenal da Inglaterra foi jogar no Brasil. Jogou, se não me falha a memória, o que eu duvido, no Rio e em São Paulo.

E todo mundo achou muito engraçado o comprimento dos calções dos ingleses. Só o que se via entre o fim das meias e o começo dos calções eram os joelhos muito brancos, muito ingleses, dos visitantes.

Aquilo dava aos jogadores uma aparência curiosamente antiga. Até os mais jovens pareciam circunspetos senhores deslocados no tempo, vindos de uma época em que um cavalheiro não mostrava as coxas. Um pudor que o resto do mundo já vencera.

Os primeiros times de “foot-ball” do Brasil vestiam-se como ingleses, mas não demorou para os nossos calções começarem a encurtar. Nem os argentinos, que se consideram mais ingleses do que os ingleses, usaram calções compridos por muito tempo.

Mas os ingleses reais permaneciam no passado. Os jogos do Arsenal contra times brasileiros foram encontros entre o arcaico e o moderno. Entre o risível fora de moda e o contemporâneo.

Corte no tempo. Nas minhas férias, vi um documentário sobre o futebol em várias épocas. E nada parece mais arcaico, hoje, do que os calções curtos usados pelos jogadores até não faz muito.

Quem diria: foram os divertidos calções ingleses de 50 anos atrás, a que os próprios ingleses tinham renunciado, que acabaram se impondo ao moderno passageiro. O risivelmente fora de moda hoje é o curtinho.

Significando a inconstância do gosto humano, o poder dos fabricantes de material esportivo que faturam com a inconstância e talvez até uma anomalia sociológica: no tempo em que mulher não ia a futebol falava-se no apelo sexual dos jogadores de calçãozinho, agora que mulher vai a futebol o calção encompridou. Conjeturas à vontade. Eu fora.

Felizmente, a tendência para encompridar, do futebol e do basquete, não chegou a outros esportes. Como o tênis feminino, onde acontece, abençoadamente, o contrário.

Foi a eliminação dos saiões, substituídos pelas sainhas, que tornou possível o aparecimento das tenistas russas.

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